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à mesa

Atualizado: 17 de jul. de 2021


Colagem por Fabiana Gibim.
 

A Fresta é uma coluna — uma colina — de periodicidade semanal dedicada a publicação de textos realizados no seio do movimento surrealista e arredores, de curadoria de Natan Schäfer.

 

Esta semana traduzimos n’A Fresta o editorial publicado no número 3 da revista La révolution surréaliste, em 15 de abril de 1925, então dirigida por André Breton.

Encimado pela imagem de um cavaleiro ou armadura medieval (que reproduzimos abaixo), este breve texto, escrito na aurora do movimento surrealista, dá a ver algo do surgimento de certas temáticas que marcariam profundamente os rastros e sentidos do caminhar destas pessoas que, juntas, decidiram “transformar o mundo” e “mudar a vida”: o maravilhoso, a eternidade, a liberdade do espírito, etc. Temáticas estas que, ultrapassando a própria noção de “temática” em sua acepção corrente, convergem numa contestação da razão estreita e buscam ampliar seus limites de modo a amar melhor e compreender mais.

Ainda sublinhamos que talvez não seja exagero afirmar que este texto contém umas das proclamações mais eloquentes, belas e convulsivas da primeira metade do século XX: “Nós agarramos um bicho novo” — e ele continua novo, e selvagem.

 

À mesa

Saiam das cavernas do ser. Venham. O espírito sopra do lado de fora do espírito. É hora de abandonar suas casas. Ceda ao Todo-Pensamento. O Maravilhoso está na raiz do espírito. [1]

É da parte de dentro do espírito que somos, do interior da cabeça. Ideias, lógica, ordem, Verdade (com V maiúsculo), Razão, oferecemos tudo ao nada da morte. Atenção às suas lógicas, senhores, atenção às suas lógicas, vocês não sabem até onde pode levar-nos nosso ódio à lógica.

É somente por um desvio da vida, por uma interrupção imposta ao espírito, que podemos fixar a vida em sua fisionomia dita real, mas a realidade não está nisso. É por isso que não há por que virem aborrecer-nos espírito, de nós, que visamos uma certa eternidade — eternidade surreal —, que há muito tempo não mais nos consideramos no presente e que somos para nós mesmos como nossas sombras reais.

Quem julga-nos não é nascido do espírito, deste espírito ao qual nos referimos e que para nós não faz parte daquilo que vocês chamam de espírito. Não é preciso insistir em chamar nossa atenção para as cadeias que nos prendem à petrificante imbecilidade do espírito. Nós agarramos um bicho novo. Os céus respondem à nossa atitude de absurdidade insensata. Este hábito que vocês têm de dar às costas às questões não impedirá que os céus se abram no dia exato, e tampouco que uma nova língua se instale em meio a suas transações imbecis, ou seja, transações imbecis do pensamento dos senhores.

Há signos no Pensamento. A nossa atitude de absurdidade e de morte é a da maior receptividade. Um mundo deliberadamente sibilino fala através das fendas de uma realidade doravante inviável.


LA RÉVOLUTION SURRÉALISTE N°3, 15 de abril de 1925. Tradução de Natan Schäfer.

 

Notas: [1]: Nota do tradutor: espírito aqui corresponde ao alemão Geist, termo recorrente na filosofia ocidental e aqui associado principalmente à acepção expressa na obra de G. W. F. Hegel.

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