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parêntesis no descaminhamento

Atualizado: 29 de jun. de 2021



Em celebração ao primeiro ano da publicação de nosso Por Uma Arte Revolucionária Independente, gostaríamos de rememorar esse fumegante texto de Patrícia Galvão, incrustado de um insubmisso desejo de liberdade que costura a vida (im)possível. Proclama-se em suas palavras a urgência da vida ingovernável, reivindicando a vida, hoje.


PARÊNTESIS NO DESCAMINHAMENTO Patrícia Galvão Seria possível uma crítica talvez dos aspectos pouco recomendáveis a que chegamos nós, do ponto de vista dos intelectuais, os que trabalham com a sensibilidade e inteligência, dentro da engrenagem estraçalhaste a que temos sido até agora trazidos por essa coisa que se convencionou chamar a “participação” na luta política. Refletindo acerca da ordem de ideias que vinha esboçando em crônicas anteriores, cheguei a me convencer recentemente que nosso problema de maior importância está ligado ao predomínio do social - político, portanto, - sobre o humano. Seria possível e, mais do que isso, não nos conviria inverter os dados circunstanciais da “participação”, partindo do humano para o social? A este ponto das interrogações, penso ainda, embora sem muita nitidez, que é preciso começar tudo de novo pelo problema da liberdade. Não da liberdade ideal como tem sido adotada na base (de) umas tantas convicções que aparentam uma grande adesão às ideias de liberdade. É livre quem luta pela liberdade dentro de uma organização que inicialmente extinguiu nos seus componentes o gozo dela? É livre quem luta pela liberdade dos outros, mas organizatoriamente se acha preso a uma disciplina de ferro? São perguntas que devem se achar na plataforma deste ponto de partida sobre a participação do homem intelectual na luta pela liberdade dos homens. E são perguntas que não podem ser, estou certa, respondidas pela grande maioria dos que se deixaram levar na corrente da adesão a umas certas convicções, cuja única importância hoje reside no velho ouro de sua passada legenda. Quem quiser racionar nesta base, deduzirá logo que eu compreendo que seria a liberdade individual o ponto de partida para a tomada de consciência de uma verdadeira luta pela liberdade. Uma ética decorre disto. Irrecusavelmente, estamos aqui pisando num terreno firme. Conhecerá os caminhos de liberdade, será capaz de indicá-los apenas quem esteja livre nessas trilhas. Uma coincidência, ou incidência, num dogma político, não deve ficar acima da espontaneidade que puder guiar os passos do intelectual. Naturalmente, não se trata aqui de uma ignorância de que a democracia, em grosso modo, é apenas um voto de maioria. O que precisa ficar bem claro é que a luta pela liberdade não pode ficar submetida a uma focinheira partidária, capaz, pela legenda de uma ideologia - sofismada ou traída, não se quer saber - de estar no caminho certo da liberdade humana. Os que se apresentam acorrentados, marcados pelos “slogans”, aliás, “palavras de ordem”, são apenas uns pobres diabos, uns desprezíveis escravos, repetidores de discos, e causam espanto que venham nos dizer que estão “participando" da luta pela liberdade, com os seus clichês e lugares comuns. Como pode um escravo lutar pela liberdade dos outros? Impõe-se o princípio de que antes da participação na luta pela liberdade alheia, realize o intelectual a sua liberdade, um desbocamento de limites que desconheça “palavras de ordem” adequadas a desígnios imediatos e negocistas dos que retêm em suas mãos os cordéis diretores das massas. É preciso, naturalmente, penetrar o essencial nesse ponto ético: o trabalho do intelectual desdobra-se em duas fases principais, que são a crítica e a descoberta. Há diferença entre uma participação consciente de sua profunda natureza e um gesto determinado por acasos. Aqui na rua, por exemplo, há uma vibrante manifestação de homens organizados que protestam… O intelectual passava, achou-se entre esses homens e participa, voluntariamente, do seu movimento. Deu-se então a coincidência. Mas ao intelectual é defeso participar de uma luta pela liberdade entrando em uma organização em que a sua mentalidade e a sua responsabilidade se devem deixar “dissolver” diante da maioria quando esta maioria o que quer é apenas seguir um chefe, e, vagamente, um determinado fim, embora que nunca chegue a ele. Sem dúvida, o intelectual pode e deve ficar dentro do partido, quando o partido não discorda dele, em uma perfeita consonância com o seu ideal e o conhecimento das coisas. As maiorias ocasionais, que nunca discordam, porque não partem da crítica, mas de uma superstição política, essas, nada têm a ver nem com a crítica, nem, ainda, com a descoberta, uma revelação a dar-se nas mãos livres que manejam o pensamento e a criação… Pode, sem dúvida, haver quem julgue democrático entregar-se ao acaso das maiorias, de seu voto baseado num critério de quantidade. (Aliás, dever-se-ia determinar se há democracia mesmo quando um tipo bronco vota por alguém ou por alguma coisa ao lado de quem conscientemente avalia e julga como está dando, a quem e porque, seu voto conscientemente. Que espécie de democracia?) Voltemos ao princípio. Que o humano sobreleve o social, para o homem que trabalha com a inteligência e com a sensibilidade. Que a sua ética seja determinada pelo livre exame das coisas, e que ele dê ao seu voo a amplitude nítida de quem escreve a ordem de suas palavras e não tropece nas determinações das palavras de ordem. Seja um frequentador das estradas da liberdade quem deseja participar da luta pela liberdade. Donde, portanto, entre a direita da opressão e a esquerda totalitária que emerge destes dias cinzentos, esboçar a palavra que reconduz à hierarquia dos valores perdidos, entre ditaduras e nacionalismos exacerbados, naturalizações não-escritas, em vigor somente pelos objetivos imediatos dos partidos, donde, pois, levantar-se a certeza de que é possível um “terceiro partido”, nos caminhos da liberdade. Vanguarda Socialista, ano I, n. 36, 3 de Maio de 1946.



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