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por um amanhã que saiba jogar - parte II


Colagem de Talita Santana



A Fresta é uma coluna — uma colina — de periodicidade semanal dedicada a publicação de textos realizados no seio do movimento surrealista e arredores. Por Natan Schäfer


 

O texto abaixo é uma continuação de Por um amanhã que saiba jogar, cuja primeira parte publicamos semana passada. Ele foi apresentado ao grande público no livro Tracts surréalistes et déclarations collectives - Tome 2 1940-1969, organizado por José Pierre. Os dois tomos organizados por Pierre reúnem os panfletos e declarações realizadas pelo grupo surrealista de Paris desde sua fundação. No texto abaixo, seguimos observando o esforço de organização das atividades do grupo após a morte de seu magnetizador André Breton. Com evidente rigor e compromisso, são colocadas questões importantes relativas às posições assumidas no interior do grupo, assim como à continuidade do movimento e sua atuação.


O surrealismo é um Movimento, isto é, uma ideia que se desenvolve ao longo da história, ou deve considerar-se fechado no espaço e no tempo, tendo resolvido todos seus problemas — ao menos tendo enunciados os mesmos de modo que nenhuma resposta válida poderia vir do exterior? Esta é a terceira questão que gostaríamos de colocar. A resposta à essa questão implica acordo ou desacordo com uma linha geral que foi formulada por Breton mesmo e que é resumida pela palavra “abertura”. Trata-se de saber se desejamos limitar nosso horizonte ao café La promenade de Vénus e sujeitar nossa atividade à observação dos cânones poéticos, pictóricos, filosóficos e políticos graças aos quais o Surrealismo exprimiu-se ao longo de sua história. Trata-se de saber se as formas que o Surrealismo assumiu são a ilustração definitiva de uma vontade para sempre fixa nas antigas escolhas ou se esta vontade continua ativa atualmente. No que diz respeito à pintura, por exemplo, desde suas origens o Surrealismo alimenta-se de dois fluxos aparentemente contraditórios cujas expressões-limite são, a grosso modo, o automatismo e o registro, eventualmente em trompe l’oeil, das imagens do sonho. Não é de hoje que o Surrealismo recusa privilegiar uma destas duas modalidades de expressão. Qualquer outra atitude o conduziria a transformar-se numa “escola” pictórica. Ninguém dentre nós é habilitado, seja ou não pintor, a dar diretivas num sentido ou em outro. A única diretiva que seria conveniente admitir como comum seria a recusa ao já visto, quer venha ele do interior ou do exterior. A abertura para com certos pintores não Surrealistas implica que poderíamos esperar deles, especialmente no plano moral, aquilo com que nos acreditamos comprometidos. Esta abertura não significa tampouco que eles podem tudo, nem que são autorizados a intervir em todas ocasiões na determinação de nossas atividades. Há aí um jogo que não pode ser codificado definitivamente. Nós convocamos toda forma nova contra o tradicionalismo, a repetição e a preguiça, onde quer que ela se apresente. No domínio político podemos constatar que há cerca de três anos as intervenções surrealistas são praticamente nulas. Sem dúvida um certo número de causas exteriores escusam em parte este silêncio. Dentre estas a também recusa em analisar as situações de outro modo que através de esquemas conduz a uma abstenção arrogante e a um culto da impotência mascarado pelo jargão revolucionário. Quem achamos que somos ao julgar em nome da pureza moral conforme à lei a luta dos guerrilheiros peruanos ou dos partisanos do Vietnã, tanto uns como outros sistematicamente reprimidos pelo governo americano ou seus cúmplices? Quem somos nós para assistir em silêncio às chuvas de bombas sobre Haiphong ou aos fuzilamentos de São-Domingos? Que verdade autoriza-nos a colocar num mesmo saco o policial soviético e o militante vietcong, o burocrata maoísta e o membro da resistência na América do Sul? Não tivemos medo de passar por cúmplices dos Americanos durante a revolução húngara. E entretanto, quem dentre nós sabia que o triunfo da insurreição de Budapeste viria a favorizar em certos aspectos o bloco ocidental? Se o Surrealismo pretende continuar a intervir no plano político, não há outra atitude a tomar em escala internacional que a seguinte: em tudo que lhe constitui sustentar os movimentos que opõem-se aos três poderes que dividem o mundo entre si, isto é, o poder americano, o poder russo e o poder chinês. A partir da nossa perspectiva o inimigo é o mesmo e só muda de nome de acordo com as zonas geográficas onde exerce sua dominação. Aí também parece-nos desejável confrontar nossos pontos de vista com o de outros intelectuais, mesmo que isso signifique demarcar os limites de nosso acordo com eles. Sobre as posições extremas que podem ser as nossas, convém-nos que nos expressemos seja na revista, seja pelos panfletos; mas não há contradição em unirmos nossa voz à de outros para uma ação mínima. No que concerne a existência do Grupo em si, o movimento livre das afinidades sensíveis e mesmo intelectuais, no que elas têm de eletivas, não pode ser tido como como um substituto válido à troca de ideias. Assim como acontece de um Surrealista ter amizades fora do Grupo, acontece de no interior do Grupo alguns Surrealistas serem mais particularmente unidos pela amizade: esta possibilidade não deve degenerar neste tipo de alianças que, várias vezes, quando Breton estava vivo, foram denunciadas sob o nome de “parceria” e que conduziu às vezes à atividade fracionada quando não acabou substituindo-se à atividade coletiva. Detalhemos bem que o acordo com relação a estes pontos em nome de uma linha geral indispensável à continuação do Movimento não obriga de modo algum que todos renunciem às suas preferências subjetivas ou outras (para tomar um outro exemplo, no que diz respeito aos fenômenos “literários” exteriores tais quais o nouveau roman ou o estruturalismo). Nós pedimos somente que estes que, sobre um determinado assunto debatido livremente, encontram-se em minoria, abstenham-se de impedir e frear a linha geral, especialmente reabrindo discussões encerradas. Não pedimos que abandonem seu ponto de vista, nem que façam uma “autocrítica”. Lembremos por fim que o interesse que o Surrealismo possui sobre este ou aquele fenômeno artístico, intelectual ou político jamais implicou no vocabulário da adesão. Esta declaração coloca três questões essenciais àqueles que, hoje, reivindicam o Surrealismo. Escrita pelo Comitê de redação da revista L’Archibras e pelo seu Secretariado, ela comporta as respostas que os membros deste Comitê e deste Secretariado acreditam que devem oferecer. Consequentemente ela define as principais direções do Movimento para o período presente e para o futuro imediato. É com uma preocupação democrática que devemos torná-la o mais explícita possível. O acordo definitivo para com este texto será exigido através de assinatura no presente documento, de uso rigorosamente interno, por todos aqueles que aceitarem subscrever a atividade coletiva às condições atuais. Comitê de Redação e Secretariado da revista L’Archibras: Phillipe Audoin, Vincent Bounoure, Elisa Breton, Claude Courtot, Gérard Legrand, Joyce Mansour, José Pierre, Jean Schuster, Jean-Claude Silbermann, François René-Simon. Paris, 10 de maio de 1967.

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