O Vietnã avançava sobre o exército yankee, Angola se via em um processo de libertação da colônia portuguesa, Cuba se mostrava um exemplo de organização política e econômica dez anos após a revolução, lutas eclodiam por todos os lados - pelas macro e micro condições de existência.
Os maios de 68 apresentaram uma inventividade, radicalidade, iconoclastia, jovialidade e processos de ruptura únicos, mas não desprovidas de uma ingenuidade e entusiasmo que só uma geração que sentiu o bafo da revolução sobre suas orelhas poderia apresentar. Em uma parceria com a GLAC edições, a sobinfluencia publica um manifesto redigido no calor das manifestações de maio de 68, publicado na revista de arquitetura Le Carré Bleu (3-1968), com tradução inédita para o português, realizada por nosso editor, Gustavo Racy.
Trabalhos da comissão da Sorbonne “Nous Sommes en Marche”
1. nós vivemos um período pré-revolucionário. um período pré-revolucionário é aquele que vê a nascença de uma nova ideologia: resta criá-la.
2. os utópicos são aqueles que creem que, em contentar-se em mudar as estruturas sociais, o espírito dos homens será mudado.
3. toda luta crítica é política. a política crítica não é nem a coragem nem o deboche, ela é um simples dever.
4. que toda pessoa se deixe tomar por seu entusiasmo, sem se sentir culpada, para que reaprenda o sentido do humano.
5. tomar naquilo que existe tudo aquilo que é bom e que foi desfigurado.
6. que os professores venham a encontrar na educação as satisfações que eles frequentemente buscam nos congressos ou alhures.
7. toda pessoa que se atemoriza da “aventura” deve saber que ela não deve temer senão o câmbio.
8. a maioria intelectual, política e social dos jovens está instituída.
9. que toda pessoa que não compreende venha discutir. tudo pode ser explicado a todos.
10. nossas estruturas psíquicas esclerosadas e arcaicas devem se destruir para dar lugar à imaginação de um mundo novo.
11. nós vivemos um período crítico: quem não se apoderar dele não pode compreender nada do mundo.
12. cessar a fuga na rotina esterilizante de todo trabalho fragmentado.
13. todas as noções existentes estão desatualizadas e a repensar.
14. o câmbio não é um fim em si. entre a rigidez e a agitação há uma margem suficiente para todos aqueles que querem se dar o esforço de pensar.
15. somos jovens por espírito e não por idade.
16. todo espírito jovem, ainda livre de estruturações psíquicas demasiado determinadas pode imaginar ideias novas e ser criativo.
17. somente a autonomia real permite a criatividade.
18. a noção de conflito de gerações deve desaparecer do mundo, ela não é mais do que uma maquiagem da luta pelo poder.
19. que os “pais” desempenhem seus papeis de “pais” e assim a revolução será evolução.
20. toda pessoa que considera a emoção como estranha ao pensamento lógico deve se livrar do campo de tal visão idealista.
21. toda criação parte de uma emoção vivida.
22. a redescoberta pessoal é insubstituível para a formação do espírito.
23. aquilo que faz a diferença entre o comum e o genial não é o nível de inteligência, mas a vontade de superação.
24. toda criação nova deve comportar elementos anti-esclorosantes.
25. os homens das instituições em voga – aquelas de poder, tanto quanto aquelas de oposição – devem continuar a resolver os assuntos correntes, eles devem fornecer o pão cotidiano. amanhã nós o faremos por eles e lhes daremos, ainda por cima, a cultura.
26. todos aqueles que não são encarregados de resolver os assuntos correntes devem despir suas batinas, descer às ruas e questionar os métodos de seus pensamentos.
27. comer e repousar a cada dia.
28. é necessário discutir em todos os lugares e com todos.
29. ser responsável e pensar politicamente pertence a todos, não é o privilégio de uma minoria de “iniciados”.
30. que não nos surpreendamos com o caos das ideias. não é necessário sorrir, não é necessário tirar sarro ou se regozijar. é a condição de emergência das ideias novas.
31. que os “pais” do regime compreendam que a autonomia não é uma palavra oca ela supõe a partilha do poder, isto é, a mudança de sua natureza.
32. que ninguém procure impor uma etiqueta ao movimento atual. não existe e não é necessária, o movimento se cria por si mesmo com todos aqueles que se juntam a ele mantendo dentro deles tudo aquilo em que criam até o presente momento.
33. que aqueles que se recusam a compreender se retirem.
34. construir milhares de parques para que as crianças possam brincar de bolas de gude nas sarjetas.
35. tomar o tempo para amar e para aprender a amar.
36. sob a luta de classes há, fundamentalmente, uma luta pelo poder.
37. o acesso à autonomia e à partilha do poder pode ser feita pacificamente se os “pais” do regime quiserem cumprir seus papeis bem.
38. para reaprender a pensar, abandonemos nossa condição de classe.
39. brincai!
40. que todos os trabalhadores de todas as profissões continuem a impulsionar suas organizações a saírem do imobilismo e empreendam, com a ajuda dos trabalhadores intelectuais, a marcha avante em direção à autonomia.
41. que o gosto pelas festas retorne!
42. a bandeira vermelha pode morrer. a bandeira negra também. que os pintores nos inventem mil bandeiras que simbolizem a pesquisa, o esforço, a revolução interior, o entusiasmo, a invenção.
43. que os musicistas e poetas façam novas canções.
44. que se inventem novas férias para esse verão a fim de que não se interrompa o movimento.
45. que haja colunas diárias na imprensa escrita e falada.
46. somente a explosão de nossos atuais métodos de pensar permitirá que se repense um mundo novo.
47. a partir da criatividade de cada um uma nova cultura e uma nova ideologia serão fundadas.
48. o novo manifesto que dela emanará, estará em fusão perpétua graças à contribuição pessoal de cada um.
49. a greve acabou. a universidade e a empreitada críticas já se iniciaram. os comitês de greve e outros devem se chamar “comitês constitutivos da empreitada ou da universidade autônoma”.
50. ninguém pode atingir a autonomia sem ter aprendido a marchar. que aqueles que saibam marchar aprendam, destarte, como ensinar. que aqueles que saibam marchar e ensinar ensinem aos outros.
51. e tudo isso simplesmente para que o homem possa tornar-se si mesmo.
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