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signo ascendente




A Fresta é uma coluna — uma colina — de periodicidade semanal dedicada a publicação de textos realizados no seio do movimento surrealista e arredores. Por Natan Schäfer

 

Como grande magnetizador do movimento surrealista, André Breton (Tinchebray, 1896 - Paris, 1966) dispensa apresentações. Mesmo assim, lembramos que Breton é autor de Nadja, Amor Louco, Arcano 17, Fata morgana, etc. Porém, talvez mais efetivo do que apresentá-lo a partir de uma lista suas obras, a qual seria longa, seja remeter o leitor à parede de seu famoso ateliê no 42 da Rue Fontaine, atualmente exposta no Museu Pompidou e catalogada na página https://www.andrebreton.fr/ — assim como demais itens do ateliê.

A importância da obra de André Breton, tanto em sua expressão teórica quanto poética, é indiscutível e ambas partilham de uma só linha do coração orientada desde seu início pela imagem, pelo maravilhoso e pela vida em tudo que ela tem de mais-que-real.

“Signo ascendente”, publicado no livro La clé de champs em 1953, trata-se de um dos momentos fundamentais da obra de Breton, o qual ilumina de maneira cristalina — como uma espato de Islândia — as relações estabelecidas entre pensamento analógico, poesia, surrealismo e, como o título indica, a direção ascendente, pela qual Breton orientou-se desde o início de sua trajetória. Não à toa, este texto não foi somente escolhido para prefaciar a segunda parte de sua obra poética publicada pela Gallimard na collection Poésie, como também emprestou seu título à esta mesma coletânea.

E faço minhas as palavras de Breton:

“Chama d’água guia-me até o mar de fogo”


SIGNO ASCENDENTE


O desejo que a fêmea experimenta pelo macho parece-se com os vapores que elevam-se da terra em direção ao céu e, depois de formar as nuvens, é o céu que rega a terra.

Zohar


Jamais experimentei prazer intelectual que não fosse no plano analógico. Para mim a única evidência do mundo é comandada pela relação espontânea, extra-lúcida e insolente que em certas condições se estabelece entre uma determinada coisa e outra, as quais o senso comum evita confrontar. Tanto é verdade que a palavra mais odiosa parece-me ser a palavra logo, com tudo o que ela acarreta de vaidade e deleite moroso. Eu amo perdidamente tudo o que, rompendo inesperadamente o fio do pensamento discursivo, parte de repente como um foguete iluminando uma vida de relações fecundas de modos outros, das quais tudo indica que os homens dos primórdios tinham o segredo. E certamente o foguete cai rápido mas não é preciso mais que isso para medir de acordo com sua escala fúnebre os valores de troca que são propostos hoje em dia. Nenhuma resposta, exceto à questões utilitárias imediatas. O homem que caminha ao nosso lado não dedica-se a nenhuma outra tarefa exceto a de flutuar, indiferente a tudo aquilo que não chega muito de perto dele e cada vez mais insensível a tudo que poderia levá-lo a uma interrogação da natureza, a partir do momento que esta é dotada de alguma amplitude. A convicção milenar segundo a qual nada existe gratuitamente, mas sim, ao contrário, não há um sequer ser ou fenômeno natural desprovido para nós de uma comunicação cifrada — convicção que anima a maior parte das cosmogonias — deu lugar ao mais embotado dos desapegos: parece que jogaram a toalha. Nós nos escondemos para perguntar: “De onde venho? Por que sou? Para onde vou?”. No entanto, efetivamente quanta aberração ou insolência não há em querer “transformar” um mundo que não nos preocupamos mais em interpretar no que ele tem de mais permanente? Os contatos primordiais foram cortados: afirmo que somente o impulso analógico consegue fugazmente reestabelecê-los. Daí a importância assumida, durantes longos intervalos, por estas breves lascas fulgurantes do espelho perdido


O diamante e o porco são hieróglifos da 13ª paixão (harmonismo) que os civilizados não experimentam.

Charles Fourier


Na cama branca do olho a íris é o estrado do colchão da pupila, onde um fantasma de nós mesmos deita-se no sonho.

Malcolm de Chazal


A analogia poética tem em comum com a analogia mística o transgredir as leis da dedução de modo a fazer o espírito assimilar a interdependência de dois objetos de pensamento situados em planos diferentes, entre os quais o funcionamento lógico do espírito não está apto a lançar nenhuma ponte e opõe-se a priori que toda espécie de ponte seja lançada. A analogia poética diferencia-se fundamentalmente da analogia mística no que ela não pressupõe de modo algum, em meio à trama do mundo visível, um universo invisível que tende a manifestar-se. Ela é completamente empírica em seu procedimento e de fato somente o empirismo pode assegurar-lhe a total liberdade de movimento necessária ao salto que ela deve efetuar. Considerada a partir de seus efeitos, é verdade que a analogia parece, como a analogia mística, militar em favor da concepção de um mundo ramificado a perder de vista e inteiramente percorrido pela mesma seiva. Porém, ela mantém-se sem nenhuma coação no quadro sensível, isto é sensual, sem marcar nenhuma propensão a despejar-se no sobrenatural. Ela tende a fazer entrever e valer a verdadeira vida “ausente” e, assim como ela não tira sua substância da sonhação metafísica, não sonha sequer um instante em fazer girar suas conquistas pela glória de algum “além”.


O sonho é um pesado

Presunto

Que pende do telhado.

Pierre Reverdy


Chego gavião e saio fênix.

(Palavras 3ª alma, Egito) [nota].


[continua]

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