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stéphane symons: walter benjamin está morto

Atualizado: 28 de ago. de 2021


 

O texto que se segue é um trecho da primeira versão da apresentação de nossa próxima publicação, “Walter Benjamin está Morto”. O texto foi redigido por Stéphane Symons, professor do Instituto de Filosofia da Universidade Católica de Leuven (KU Leuven), Bélgica. Com um currículo extenso, voltado para diferentes tópicos da filosofia de Walter Benjamin, da arte à religião, Symons preparou uma bela e entusiasmada reflexão sobre os textos que reunimos em nossa obra, vertidos ao português pela primeira vez. Partindo de um episódio biográfico (uma carta enviada por Benjamin a Stephan Lackner), Symons mostra que as preocupações evidenciadas nos fragmentos reunidos em nossa obra, da arte à crítica, da história à teoria do conhecimento e à política, representam uma articulação panorâmica das questões abordadas por Benjamin ao longo de sua vida intelectual. É importante notarmos que, ao partir de algo singelo como uma carta, Symons explicita algo importante acerca do estudo da obra de Benjamin. A saber, um sentimento profundo, da parte do autor, de refletir sobre seu momento atual afirmando-se como sujeito partícipe dos problemas, perigos e esperanças históricas. Chama a atenção, nisto, a precisa observação de Symons sobre o tempo verbal utilizado por Benjamin em sua carta, o futur antérieur francês, que prevê a condição futura de uma geração futura. No caso, a sua própria, sob a sombra do nazifascismo. Com isso, abre-se a possibilidade de pensar os diversos temas benjaminianos à luz de uma de suas preocupações maiores, a história, ciente de que a tarefa da filosofia deve partir da matéria mais costumeira, o corpo, a percepção, o gesto do vagabundo de Chaplin, às mais etéreas e abstratas, o conhecimento, a história e a tarefa da crítica de permitir que aquilo que foi esquecido possa de novo viver.

 

“Walter Benjamin havia claramente chegado ao fundo do poço quando, em 5 de maio de 1940, escreveu ao autor e colecionador de arte Stephan Lackner […] Na carta, que foi comovidamente escrita em francês, Benjamin […] menciona um importante projeto intelectual que o mantinha produtivo a despeito dos tempos: « J’ai terminé un petit essai sur le concept d’histoire, un travail inspire non seulement par la nouvelle guerre mais par l’expérience entière d’une génération qui aura été une des plus éprouvées que l’histoire a jamais connue »[1]. Este petit essai se tornará um dos textos mais influentes e lendários do Século XX: as teses “Sobre o Conceito de História”, às quais os Paralipomena estão incluídos nesta organização. O que chama a atenção na carta de Benjamin a Lackner […] é a inflexão que serve de recurso a Benjamin […]: sua geração não será simplesmente a geração mais atentada da história, mas terá sido. O uso do tempo verbal futur antérieur da língua francesa é revelador, uma vez que formaliza a intuição fundamental com a qual Benjamin encerra seus Paralipomena: “Se apossar da eternidade dos eventos históricos significa apreciar a eternidade de sua transitoriedade”. Aos olhos de Benjamin, não só perdemos nosso passado, mas corremos o risco de que mesmo o futuro nos seja expropriado. Quando não há nada que garanta a sobrevivência das coisas, o futur antérieur é, de fato, o único modo preciso de vislumbrar o curso do tempo. Inevitavelmente, a “transitoriedade eterna” tem seu impacto no “acordo secreto entre gerações passadas e a presente”, que Benjamin famosamente elencou em “Sobre o Conceito de História”. Por conta do “fraco poder messiânico” que sobrevive no presente, somos capazes de mantermos vivos os sonhos e desejos utópicos que uma vez partilharam as gerações anteriores. Entretanto, dado que todos os fenômenos temporais são transitórios, este “acordo secreto”, não se dá por conta própria. […] O ensaio mais longo desta organização, o ensaio sobre o historiador e antropólogo suíço Johann Jakob Bachofen, é um exemplo do fascínio de Benjamin com os “caminhos não tomados” pela história. É através de Bachofen que Benjamin conectará a organização matriarcal de algumas sociedades há muito desaparecidas com um desejo profundo por uma democracia genuína e por uma equidade cívica. Bachofen era “dotado de um entendimento excepcional do mundo ctônico” que falhou em se materializar verdadeiramente, mas cujo potencial revolucionário jamais desapareceu de todo. Assim, ideais utópicos devem ser reinventados uma e outra vez, pelos historiadores que são “nutridos pela imagem dos antepassados escravizado, ao invés de pelo ideal de seus netos liberados”. […] A reconstrução da filosofia da história de Benjamin é um dos fios conceituais que correm através do presente volume. Em alguns dos primeiros fragmentos, traduzidos aqui em português pela primeira vez, a organização enfatiza a importância dos “construtos que levam consigo a mais profunda afinidade com a filosofia”. Em outras palavras, como o historiador, o filósofo não deve simplesmente refletir ou reproduzir, mas criar e produzir. A tarefa do filósofo consiste em trazer imagens e ideais de forma ativa, nos permitindo desafiar o status quo e imaginar uma sociedade radicalmente diferente. Aos olhos do jovem Benjamin, esta força única está alocada primeiramente nas obras de arte. […] Da década de 1930 adiante, o interesse de Benjamin pela beleza como a “manifestação do ideal do problema filosófico”, se retrairá a favor de uma análise do poder do cinema e da fotografia em “distrair” o observador. Surpreendentemente, Benjamin configura a distração não como uma falta de atenção, mas como uma renovada “presença da mente” […] Benjamin é atraído em direção às obras mecanicamente produzidas e reproduzidas, uma vez que elas são fragmentares e móveis. Pareada à “destruição”, a distração trazida pela fotografia e pelo cinema é uma resposta imediata e fisiológica que nos pega sem defesas. […] [A] única razão pela qual o passado merece nossa atenção, é a de que “ele, no mínimo, não é nosso presente”. A tarefa do historiador, do artista e do filósofo é, portanto, não somente a de salvar o passado para o presente, mas, do mesmo modo, salvá-lo do presente. Os fragmentos reunidos nesta organização nos mostram, talvez, que nos enganamos desde sempre. Talvez 2500 anos de pensamento ocidental nos levaram a acreditar que a filosofia se origina da ponderação acerca dos infinitos mistérios do mundo, enquanto o mundo é, na verdade, aquilo que deve ser transformado.

 

[1] Eu terminei um pequeno ensaio sobre o conceito de história. Um trabalho inspirado não somente pela nova guerra, mas pela experiência inteira de uma geração que terá sido uma das mais postas à prova na história (Nota do Tradutor).

 

Nota Biográfica

Stéphane Symons é professor de Estética e Filosofia do Centro de Metafísica, Filosofia da Religião e Filosofia da Cultura do Instituto de Filosofia da Katholieke Universiteit Leuven (Universidade Católica de Leuven). É autor de, entre outros, More than Life. Georg Simmel and Walter Benjamin on Art (Northwestern U. Press, 2017), e Walter Benjamin. Presence of Mind, Failure to Comprehend (Brill, 2012), além de organizador de Walter Benjamin and Theology (Fordham U. Press, 2016), e The Marriage of Aesthetics and Ethics (Brill, 2015). Link para seu perfil profissional: https://www.kuleuven.be/wieiswie/en/person/00040182

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