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a volta do cipó de aroeira

Atualizado: 2 de mar. de 2022



Arte por Rodrigo Corrêa

”Era a brecha que o sistema queria Avise o IML, chegou o grande dia Depende do sim ou não de um só homem Que prefere ser neutro pelo telefone Ratatatá, caviar e champanhe Fleury foi almoçar, que se foda a minha mãe!.”

Diário de um detento, Racionais Mc’s


Nos últimos dias presenciamos declarações escabrosas provindas da boca daqueles que comem bem e que não deixarão de comer, daqueles que sem a crise ganham e com a crise também. Luciano Hang, proprietário da Havan, há tempos vem investindo tempo e dinheiro em defesa de políticas que agem pelo desmantelamento de qualquer regulação do trabalho e seguridade social, pelo viés mais autoritário, infundado e conspirativo existente no cenário político atual, além de se expor ao ridículo em vídeos para defender qualquer política que devaste a vida dos trabalhadores e para defender um governo que expressa a mediocridade na sua forma mais tosca e violenta possível. Na última semana, Hang divulgou um vídeo apresentando suas conclusões sobre a “inofensibilidade” do COVID-19 e a necessidade de se manter o ritmo da máquina.

Não surpreende o fato de Hang endossar o discurso adotado pelos patrões no qual a relativização do COVID-19 é regra, assim como a coerção sobre os empregados para que continuem se arriscando em nome da produção, independente de qualquer consequência que isso possa ter. Sabemos disso e lembraremos seu nome. No último domingo (22), Roberto Justus, investidor, administrador, publicitário, empresário e apresentador de televisão brasileiro, reproduz a mesma ideia e defende: só os idosos e já doentes vão morrer. Diferente de Hang, esse depoimento só se tornou público por conta do vazamento de um áudio de um grupo de WhatsApp. Mas também sem grandes surpresas. Sabemos disso e lembraremos seu nome.

Na calada da noite, no mesmo domingo em que Justus defende a desassistência de idosos e doentes, Bolsonaro assina a MP que suspende contratos e salários por até quatro meses, em nome desses mesmos empresários, empurrando ainda mais para o vale da morte aqueles que estão a margem da sua lógica de produção. Apesar de revogada o trecho que prevê a suspensão do contrato e salário, a mentalidade da elite empresarial é assustadoramente explícita. Não há outra face possível para esse facínora e seus asseclas que não a de assassinos. Sabemos disso e lembraremos seus nomes.

Nessa segunda-feira (23), Junior Durski, dono da rede de restaurantes Madero diz que “o Brasil não pode parar por conta de 5 ou 7 mil pessoas que morrerão”. Recebemos isso com horror, mas sem surpresa. Acho que a nossa ingenuidade não nos permite ir ainda mais fundo. Sabemos disso e lembraremos seu nome.

A elite brasileira projeta seu liberalismo como fruto do Iluminismo, mas historicamente é estruturada sob uma fundação aristocrática que acumulou e acumula capital relativizando a exploração, a condição de trabalho, a salubridade, a vida e a morte daqueles que trabalham, seja de maneira escravizada, como num passado recente, ou assalariada, como hoje.

Vemos agora as manifestações do empresariado preocupado com os números, mas não esqueçamos: a variável do prejuízo dessas vidas são calculadas todos os anos, já que, usualmente as grandes corporações literalmente matam pelo lucro.

A matemática é simples, aquele que não se encaixa em seu modelo econômico e não produz deve ser exterminado.

Brecht dizia: não há nada mais parecido com um fascista que um burguês assustado.

Não é novidade e nem difícil concluir como a política de morte se aplica ao cotidiano brasileiro. Nem quem morre e quem mata. Mas, mais do que concluir isso pela milésima vez, devemos lembrar o que no fim das contas o neoliberalismo dispõe para a classe trabalhadora para salvar sua própria cabeça: nada menos que a lógica de eugenia - exatamente a de Francis Galton - e de massacre. Moer em suas engrenagens aqueles que tem idade e saúde, descartar aqueles que não podem oferecer sua força de trabalho. Aqueles que não estão se arriscando em trabalhos precarizados, expostos à contaminação e à morte, se isolam em quarentena, incertos de qualquer futuro ou permanência, incertos sobre a próxima alimentação ou salário, incertos sobre a própria existência. Sentimos medo e angústia, mas também sentimos ódio, e somos muitos.

Muito provavelmente esse é o último suspiro do capitalismo como conhecemos, a crise econômica que se abaterá sobre nós é certa e inevitavelmente demandará outras formas de regulação da economia e organização social, como já apontou ZIzek, e bem ou mal, os agentes da história nesse momento somos nós.

Isso não é uma esperança ingênua no despertar humano a partir da catástrofe, o horizonte está aberto e a tentativa de manter a ordem estabelecida como está (e sempre esteve) pode apresentar uma resposta ainda mais violenta e autoritária por parte das elites, mas ao mesmo tempo, esse abalo sísmico do mundo qual ainda somos capazes de reconhecer é forte o suficiente para determinar de outra forma nossas percepções diante do trabalho, das relações de poder, da lógica de manutenção do establishment, dos elementos que compõe e distinguem as classes sociais e da nossa relação com todo um ecossistema.

Agora nos vemos consternados, passam pelos nossos olhos o adiamento do porvir, mas a raiva ainda vai nos proteger. Isso vai passar e estamos aprendendo algo.

Nós sabemos bem seus nomes, sabemos seus endereços, sabemos por onde andam. Fomos nós que construimos suas casas, somos nós que dirigimos para vocês, nós que fazemos a sua comida, nós que alimentamos seus filhos. Somos nós que ouvimos as suas palavras e escrevemos as nossas. Quando tudo isso passar, ainda lembraremos de suas faces, mas não estaremos isolados.


Texto por Rodrigo Corrêa.

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