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impedimentos ao diálogo entre o norte e o sul - parte II

Atualizado: 26 de jan. de 2022


Anciãs nigerianas dançando Ijebu Igbo. 1979
 

[...]


Permitam-me que eu adicione que estou perfeitamente ciente das simplificações a que me entrego para que meus pontos básicos se destaquem. Eu percebo, por exemplo, que as pessoas brancas não podem ter todas a mesma mentalidade, nem que sejam igualmente culpadas de falar demais e ouvir de menos. Eu sei que nem todos os povos europeus participaram, em mesmo grau, dos eventos da história moderna africana. Entretanto, a despeito de qualificações locais passíveis de serem feitas aqui e ali, acredito que o contorno geral de minha tese esteja correto.

Uma qualificação há, entretanto, que creio que deva fazer pois ela se dá sobre os prospectos da resolução do problema do diálogo. Refiro-me a uma certa curiosidade ambivalente do homem branco sobre os africanos que, consoante a natureza de um ou outro, pode ser fonte de esperança ou de desespero. Pessoalmente, eu sigo John Milton: quando a esperança e o medo arbitram o evento me inclino em direção à esperança ao invés do medo.

A esperança é a de que, se o branco é tão curioso sobre o preto ele um dia talvez pare o escute de verdade. O medo se refere, por sua vez, ao fato de que o branco encontrou e se serviu de tantas evasões no passado de modo a substituir ou simular um diálogo para sua própria satisfação que talvez possa fazer isso indeterminadamente.

A primeira evasão é o fenômeno do expert ou do correspondente estrangeiro. O branco envia um de seus colegas para visitar a terra ou a mente do povo preto e trazer para casa todas as notícias. Isto incluiu todo tipo de viajante: padres, soldados, bandidos, comerciantes, jornalistas, acadêmicos, exploradores e novelistas. Não me entendam mal. Não ponho todas essas personagens no mesmo saco para dispensá-los num mesmo despejo. Isso seria tolice, impolido e falso. Muitos europeus promoveram enormes contribuições para compreender a África. Alguns deles até nos ajudaram a nos enxergarmos de modo novo, na frescura de uma perspectiva itinerante. O que estou falando aqui diz respeito ao diálogo que prescinde de duas pessoas e não pode ser substituído nem mesmo pelo mais brilhante monólogo.

Acontece que a maior parte dos monólogos não são brilhantes, mas tolamente sensacionais e pretenciosos. Já chamei a atenção para No Coração das Trevas, de Joseph Conrad, que a Europa e os EUA consideram uma obra prima da literatura do Século XX. Eu não tenho dúvida de que a razão pela qual a obra ocupa um pedestal é simplesmente o fato de que ela fortalece medos e preconceitos raciais sendo inteligente suficiente para se proteger, caso seja necessário, com a desculpa de que não trata realmente da África. E no entanto, se passa na África e pulula de africanos cuja humanidade é admitida em teoria, mas prontamente dirimida pela negligencia de seu contexto e as imagens explicitamente animalescas que o envolve. Conrad permite somente uma dúzia de palavras em broken English a um africano e meio na novela inteira: um canibal que diz “Pega ele... come ele”, e o mestiço que anuncia “Sinhô Kurtz – ele morto”.

O apoio europeu sobre seus próprios especialistas não nos preocuparia se não tentasse, ao mesmo tempo, excluir o testemunho africano. Algo que faz frequentemente.

Duas liberdades, talvez, seriam permitidas: primeiro, incluir os estadunidenses sob a rubrica geral do “Europeu” (que é como tendemos a chamá-los em África, pelo menos), em segundo, darei um exemplo a partir de um dos meus livros.

Resenhando meu livro Arrow of God, o autor estadunidense com o fantástico nome de Cristo, teve isto a dizer: Talvez nenhum nigeriano, no presente estado de sua e de nossa cultura, possa nos dizer o que temos a saber sobre seu país de um modo disponível a nosso entendimento... do mesmo modo que W. H. Hudson tornou a América do Sul real para nós, ou que T.E. Lawrence deu vida à Arábia. Notem, por favor, que se Sr. Cristo tivesse dito que um Sul-Americano tivesse feito a América do Sul real, ou um árabe, a Arábia, eu teria aceitado minha falha humildemente e de bom grado. Mas o problema de Cristo parece fundamental: somente seus irmãos podem explicar o mundo, mesmo o mundo alienígena dos estranhos, para ele! Então ele envia um irmão à América do Sul para que relate tudo sobre aquele continente, e depois um irmão para a Arábia. Antes que ele tenha tido tempo de despachar um irmão à Nigéria, entretanto, um nigeriano se antecipou e agora está falando!

Lá se vai o diálogo entre o branco e seu irmão acerca do preto. Obviamente não funciona mais, pois o preto fala!

A segunda evasão do diálogo é o fenômeno do “africano autêntico”. Essa criatura foi inventada para que se desvie do problema da credibilidade do branco que fala consigo mesmo. Se, o branco aparentemente diz, eu devo agora escutar aos pretos, então é melhor que eu encontre aqueles que ainda não foram estragados pelo conhecimento Ocidental, que infelizmente tende a colocar palavras inconvenientes em suas bocas. O distinto acadêmico alemão da cultura africana, o falecido Janheinz Jahn, que refletiu sobre esse problema, falou de forma acertada: Somente a pessoas mais cultivada conta como um “europeu de verdade”. Um “africano de verdade”, por outro lado, mora na selva... anda nu... e conta fábulas sobre o crocodilo e o elefante. Quanto mais primitivo, mais realmente africano. Mas um africano esclarecido e cosmopolita ... que profere discursos políticos ou escreve romances não conta mais como um africano real. À medida em que o ritmo das mudanças acelera, não haverá, enfim, muitos “africanos autênticos” com admiração total e inquestionável pelos brancos, que geravam a principal atração pela selva africana. E de qualquer modo, a natureza do europeu na África também está mudando. Um empresário europeu que está na África em busca de um lucro, que não é nem seguro nem garantido, não vai nem mesmo se consultar com um feiticeiro a respeito do risco de seu investimento! Os usos do “africano verdadeiro” estão em drástico declínio.

Isto nos encaminharia para o fim de nosso percurso, não fosse a engenhosidade do homem branco! A New York Times Book Review uma vez publicou na mesma edição acima referida uma resenha elogiosa de A Bend in the River de V. S. Naipaul, junto a uma longa entrevista com o autor repleta de comentários da distinta escritora e crítica literária estadunidense Elizabeth Hardwick, que afirma o seguinte: Agora [Naipaul] foi além de Índia... até uma “escuridão” universal. Com ele conversando, lendo e relendo-o, não posso deixar de pensar ... em Idi Amin, no Aiatolá Khomeini, no destino de Bhutto. Essas figuras de uma improvável e perturbadora transição vem em mente porque o trabalho de Naipaul é uma reflexão criativa sobre a falta devastadora de preparo histórico, sobre a angústia de países inteiros e povo que não conseguem elaborá-la. Elizabeth Hardwick cita profusamente, e com aparente prazer e aprovação, o corpus crescente de trabalho desdenhoso que Naipaul produziu sobre África, Índia e América do Sul. Suas viagens ao Congo em 1965, em que reporta acerca dos “nativos que acampam sobre as ruínas da civilização” e sobre “a selva que cresce atrás de si”, são particularmente interessantes.

Ao ler a entrevista de Elizabeth Hardwick, uma figura absurda e um tanto patética surge da página impressa: a da senhora estadunidense bem informada lambendo, como uma garota de aldeia impressionada, cada gota de pretensão que escorre dos lábios de um guru literário, novo mantenedor de antigos mitos reconfortantes de sua raça.

Dadas as circunstâncias, seria difícil de imaginar quais as “faltas devastadoras de preparo histórico” criaram Hitler, Stálin e Botha? Quais “perturbadores transições” deram forma ao destino de Biko ou Patrice Lumumba? Aparentemente sim; seria impossível. A última pergunta de Hardwick a Naipaul foi, previsivelmente, “Qual o futuro de África?”. Sua resposta, oportuna, esperta e igualmente previsível: “África não tem futuro”. Este moderno Conrad, que é meio nativo ele mesmo, não está de brincadeira em meio à selva!

A nova evasão terá seu lugar e passará, deixando o problema que recaiu sobre as relações afro-europeias por século em aberto, até que a Europa esta pronta. Pronta para conceder uma humanidade total à África. “Somos o lixo do homem branco” – diz um personagem de Atho Fugard – “... seu lixo é o povo”. Quando isso mudar, o diálogo talvez tenha a chance de começar. Isto se o lixo não pegar fogo no meio tempo, incendiando o mundo todo.

 

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