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impedimentos ao diálogo entre o norte e o sul - parte I

Atualizado: 26 de jan. de 2022


Leonard Freed, Harlem, 1963
 

A coluna Harlem desta semana publica um ensaio de Chinua Achebe sobre a relação entre a África e a Europa. Exponente maior da literatura nigeriana (e, consequentemente, africana), Albert Chinualumogu Achebe, nascido em Ogibi em 1930 e morto em Boston em 2013, foi romancista, poeta e crítico literário. Embora educado na cultura ocidental, como relata em A Educação de uma criança sob o protetorado britânico (São Paulo: Companhia das Letras, 2012), Achebe foi fortemente formado por sua cultura Igbo, alocada no sudeste da Nigéria, majoritariamente.

Neste texto, proferido a um evento de artes em Berlim, em 1979, Achebe demarca claramente suas concepções sobre as relações entre as culturas europeia e africana, tópico de destaque no corpo de sua obra, permeada de críticas à visão europeia de África.

 

Em 1979 foi-me perguntado se eu gostaria de preparar uma fala de abertura para um festival de artes africanas em Berlim. Foi-me proposto, também, um tema: A Necessidade de um Intercâmbio Cultural em Espírito de Parceria entre o Norte e o Sul.

Via de regra, eu não concordo em falar por encomenda. Neste caso, entretanto, a prescrição me foi dada com grande tato e elegância. E mais, coincidia quase que completamente com minhas próprias inclinações. Não obstante – ainda que só para manter meu comprometimento com a liberdade de escolha – decidi alterar o convite, mesmo que não seu espírito. Assim, ao invés de falar sobre a necessidade de um intercâmbio cultural (que, de qualquer modo, me é algo evidente), decidi falar sobre os fatores que impedem o diálogo cultural entre Norte e Sul, neste caso, Europa e África.

Talvez eu não deva concluir este preâmbulo sem mencionar que a mensagem telex de Berlim me chegou (posso quase dizer, me acertou), por três fontes diferentes: a Nigerian Airways, a Federal Radio Corporation of Nigerian e a Políca da Nigéria! De modo que a recebi três vezes, graças aos cuidados dos organizadores berlinenses. Minha resposta, no entanto, nunca chegou de volta, coo descobriria ao chegar em Berlim – um exemplo perfeito de via de mão única e um tipo de parábola sobre a situação sobre a qual fui convidado a falar. A relação entre Europa e África é muito antiga e também muito especial. As costas do Norte da África e do Sul da Europa interagiram intimamente na produção inicial da civilização europeia moderna. Mais tarde, e de modo infeliz, a Europa se lançou à África na trágica aliança entre escravização e colonialismo, lançando a base do industrialismo e das riquezas modernas europeia e estadunidenses. O poeta Sedar Senghor talvez tenha sobremodo romantizado a relação quando cantou África e Europa ligadas pelo umbigo, purgando-a, através de uma imagem benigna entre mãe e filho, da malignidade cruel que muitas vezes caracteriza a experiência da África com a Europa. Mesmo assim, ele estava certo sobre a proximidade entre ambas.

A necessidade do intercâmbio cultural em espírito de parceria entre Norte e Sul. Para mim, a palavra-chave do tema proposta é “parceria”; é, também, a fonte do impedimento, pois nenhuma definição de parceria pode evitar a noção de equidade. E equidade é algo que os europeus são conspicuamente incapazes de estender aos outros, especialmente aos africanos. Evidentemente, a parceria como um slogan de retórica política é um assunto diferente, frequentemente emudecido. Entretanto, qualquer pessoa com alguma dúvida a respeito de seu significado deve somente ser lembrado que, na década de 1950, um governador britânico da Rodésia definiu a parceria entre pretos e brancos em seu território (aparentemente sem a intenção de ser sarcástico), como a parceria entre o cavalo e seu cavaleiro.

Ainda que a articulação da ideia colonial em termos tão duros possa causar indignação em pessoas brancas razoáveis, minha intuição me diz que em formulações mais ou menos polidas, essa era e é a atitude fundamental da Europa perante a África. Mesmo a enunciação da metáfora em termos humanos/animais não é jamais acidental.

Que não haja dúvidas sobre isso. Ao confrontar o homem preto, o homem branco se vê diante de uma escolha simples: aceitar a humanidade do homem preto e a equidade que dela flui, ou, rejeitá-la e vê-lo como um animal de carga. Não há meio termo senão um sofisma intelectual. Durante séculos, a Europa escolheu a alternativa bestial que automaticamente excluiu a possibilidade de diálogo. É possível falar a um cavalo, mas não esperar que responda!

Por conta dos mitos criados pelo homem branco para desumanizar o Preto ao longo dos últimos quatrocentos anos – mitos estes que trouxeram um conforto psicológico, talvez, mas certamente econômico à Europa – o homem branco fala, fala e jamais escuta, porque imagina que fala a um animal burro. Nas palavras de Steve Biko em seu último tribunal perante o posto avançado branco, Cristão e Ocidental que é a África do Sul: “A integração atingida é uma via de mão única, na qual os brancos fazem os discursos e os pretos escutam”.

Quando Wole Soyinka lançou sua hoje famosa tentativa de dispensar o movimento da negritude dizendo que um tigre não fala em “tigretude”, Senghor – um dos fundadores do movimento – respondeu adequadamente, dizendo que um tigre não fala. Talvez por conta de sua simplicidade, a profundidade do significado de sua resposta se perdeu para muitas pessoas. O Preto fala! E falar é uma medida de sua humanidade.

[Continua]


Tradução de Gustavo Racy

 

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