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marx, valor e natureza - parte IV de IV


Hannah Hoch. Mutter, 1930.

último crime: A intenção dessa coluna é trazer material crítico, preferencialmente inédito em nossa língua, para contribuir com as discussões que permeiam seres não humanos e humanos em sua luta pelo fim da exploração do trabalho, sua busca por autonomia e a superação do modo de produção em que [sobre]vivemos. Os textos que publicados neste espaço examinam as diferentes relações estabelecidas, na história e no momento atual, entre animais humanos e os animais não-humanos, dentro da perspectiva dialética, materialista histórica e anticapitalista.

 

O texto original "Marx, Value and Nature", foi publicado na revista socialista Monthly Magazine em julho de 2018, por John Bellamy Foster, americano, professor de sociologia da Universidade de Oregon, autor de "Marx's Ecology" (2000), "Ecology Against Capitalism" (2002), entre outros em que aparece como coautor. Foster é, também, editor da Monthly Review nos Estados Unidos.


Tradução de Alex Peguinelli

 

Marx, Valor e Natureza

John Bellamy Foster


[parte IV de IV, final]


Contra a Expropriação da Terra


Uma das percepções mais profundas de Marx, é a de que as "forças produtivas", sob o capitalismo, transformaram-se em "forças destrutivas". A própria "produtividade do trabalho" sob o capitalismo levou ao "progresso aqui, regressão ali". Marx atribuiu esta regressão específica à degradação das "condições naturais", o "esgotamento das florestas, minas de carvão e de ferro, e assim por diante" - estendendo-se aos efeitos negativos das alterações climáticas regionais [55]. A partir das suas primeiras obras, o pensador germânico concebeu a expropriação e alienação da terra/natureza como contrapartida necessária, ou mesmo uma condição prévia, da expropriação e alienação dos trabalhadores. Nos Manuscritos Econômicos e Filosóficos, Marx observou que o capitalismo, ainda mais do que o feudalismo, que veio antes dele, encontrava-se enraizado no "domínio da terra como de um poder alienante sobre as pessoas" [56]. A expropriação e afastamento de seres humanos das condições naturais de produção, por meio do confisco [capitalista] da terra, criou as relações de alienação, que servem para a exploração destes trabalhadores. Da mesma forma, as riquezas privadas foram potencializadas por toda a parte, por meio da destruição da riqueza comum (o Paradoxo Lauderdale) [57].


A chamada "acumulação primitiva", explicou Marx, n'O Capital, "significa a expropriação dos produtores imediatos", envolvendo, então, essa dupla expropriação: dos trabalhadores e da terra [58]. A imposição destas condições (marcadas por cercos históricos ao que é comum), o crescimento do proletariado e a alienação, tanto do trabalho, como da terra, produziram a destrutividade elementar do sistema econômico capitalista. Como Max Weber observou durante a sua viagem ao Território originário (hoje conhecido como Oklahoma), em 1905, "com a velocidade de um lampejo, tudo o que se interpõe no caminho da cultura capitalista passa a ser esmagado". Tal como Liebig e Marx, antes dele, Weber apontou a cultura capitalista como um sistema de roubo, Raubbau (ou Raubsystem), que destruiu a terra e os recursos naturais juntamente com quaisquer formações econômicas pré-capitalistas que se colocavam em seu caminho [59]. Em relação à este Raubsystem, ou sistema de roubo, contudo, não foi atribuído a noção de que a propriedade (apropriação) era necessariamente um roubo, de maneira genérica/abstrata, suas características se atrelam às formas históricas específicas criadas pela expropriação capitalista para exploração da humanidade e da natureza.


A expropriação da terra tem sido invariavelmente acompanhada pela expropriação de seres humanos como seres corpóreos, por meio de inúmeras formas de servidão laboral, sempre presentes nos limites lógicos e históricos do sistema econômico, ajudando a tornar possível o capitalismo. Tal expropriação é sempre de algo que seja essencial, determinando, por si, seus parâmetros. O capital, comenta Marx, "se derrama da cabeça aos pés, e em todos os poros, com sangue e sujeira" [60]. O papel da escravidão, do genocídio, e de todo tipo de servidão humana, incluindo o vil roubo da própria terra, foi crucial para as origens do capitalismo e, também, para a sua contínua reprodução antagônica. Hoje, a exploração grosseira (ou superexploração) por meio da mediação laboral da massa de trabalhadoras e trabalhadores do Sul global está dando origem a um "planeta de favelas" [“planet of slums”] e a guerra imperialista continua a se impor à periferia, juntamente com a expropriação contínua da mão-de-obra não remunerada das mulheres [61].


Durante o que Eric Hobsbawm chamou "a Era do Capital" - o período de maior vitalidade do sistema capitalista, recém saído da Revolução Industrial - foi possível centrar-se principalmente nas características progressistas do capitalismo, abstraindo um pouco de sua expropriação [62]. A crítica de Marx centrava-se, assim, não na expropriação como tal, mas na exploração do trabalho, e foi no trabalho proletário que ele depositou suas esperanças de transição revolucionária. Hoje, no entanto, apesar de alguns desenvolvimentos tecnológicos notáveis - que podem apenas parcialmente serem atribuíveis à economia capitalista - assistimos a uma ruptura dos principais mecanismos de acumulação do capital: tudo que é sólido passa a derreter, novamente, no ar. As taxas de exploração são hoje tão elevadas que colocam problemas de absorção excedentária associada à "sobreprodução dos meios de produção" [63] . Assim, na era neoliberal, o capitalismo, em sua vã tentativa de superar as condições materiais da sua existência, procurou trazer toda a realidade para dentro da lógica da valorização através da financeirização, refletindo o que Karl Polanyi chamou de concepção "utópica" da sociedade de mercado [64].


Nesta nova rodada de pilhagem e expropriação global, o esforço tem-se deslocado cada vez mais para o lucro, acima da expropriação, apreensão de todos fluxos monetários, bens e propriedades individuais, onde quer que existam. A apropriação de terras é dominante em grande parte do Sul global [65]. O comércio de carbono, que foi introduzido ostensivamente para enfrentar as alterações climáticas, apenas criou mercados que visam o lucro com essa política. A própria Terra está sendo destruída como um local habitável para a humanidade. O trabalho está se esvaziando, tornando-se cada vez mais precário e inseguro. Nestas circunstâncias, o ditado sardônico de Marx, "Acumulem, acumulem! Isso é Moisés e os Profetas" é mais do que nunca o objetivo, ainda que toda a vida como a conhecemos seja colocada em risco [66].


Reduzir o problema ecológico do capital apenas a uma questão de Natureza Barata [Cheap Nature], como se tudo fosse meramente uma questão de interiorizar as “contribuições” da natureza ao mercado - uma visão ideologicamente justificada por várias teorias do capital natural e dos serviços ecológicos - seria um grave erro [67]. Em vez disso, na raiz da emergência ambiental contemporânea está a pura incompatibilidade de um sistema de acumulação de capital com a existência humana e a Terra. Se o capital foi imensamente bem sucedido na exploração do trabalho humano, as suas crises resultantes de acumulação excessiva e absorção excessiva têm agora, como contrapartida, a visível destruição do planeta como lugar de habitação, vez que os oceanos se enchem de plástico e a atmosfera de carbono. O impulso renovado para a expropriação do planeta nas atuais circunstâncias não é um sinal da vitalidade do capitalismo, mas de sua ameaça de dissolução.


O movimento ecológico mundial surgiu no que é hoje comumente chamado de época antropocênica na história geológica, provocado pela Grande Aceleração - período de fenda antropogênica rapidamente crescente nos ciclos biogeoquímicos, geralmente datado de 1945, com o advento da bomba atômica, ou início dos anos 50 com, os testes nucleares acima do solo da bomba de hidrogênio e a consequente precipitação nuclear [68]. A resposta à crise do Antropoceno, no entanto, precisa ser revolucionária e não meramente a emergente do movimento Verde, dos anos 60, que procurou simplesmente preservar o meio ambiente e combater a poluição, enquanto dificilmente questionava o sistema social. Hoje já não se pode negar racionalmente que a valorização capitalista é um processo inerentemente destrutivo, inimigo não só do trabalho livre e criativo dos seres humanos, mas da Terra como lugar de habitação para a humanidade e outras espécies. Se não for impedida, a famosa "destruição criadora" do capitalismo, ameaça aniquilar "cadeias de gerações humanas" [69].


Neste século, o embate contra a expropriação da terra deve estar unido à luta contra a expropriação humana, desafiando, em última análise, a dialética da expropriação e da exploração e todo o "coração bárbaro" do capital [70]. O futuro está no desenvolvimento do movimento socialista/ecossocialista do século XXI, que seja capaz de se enraizar numa classe trabalhadora ambientalista, diversificada e abrangente. O que é necessário é a reconstituição revolucionária do metabolismo social interdependente com a natureza, colocando-o sob o controle racional dos seres humanos - visando não só a sustentabilidade ecológica e a conservação, mas o pleno desenvolvimento das necessidades e capacidades humanas dentro e por meio da sociedade. Nada mais servirá.

 

Notas:

[57] Foster, Clark, e York, The Ecological Rift, 53-72.

[58] Marx, Capital, vol. 1, 871, 927.

[59] John Bellamy Foster e Hannah Holleman, “Weber and the Environment,” American Journal of Sociology 117, no. 6 (2012): 1650–55.

[60] Marx, Capital, vol. 1, 926.

[61] Sven Beckert, Império do Algodão (Nova Iorque: Vintage, 2014); Fraser, "Behind Marx's Hidden Abode"; Fraser, "Expropriation and Exploitation in Racialized Capitalism"; Dawson, "Hidden in Plain Sight"; Foster e Clark, "The Expropriation of Nature"; John Smith, Imperialism in the Twenty-First Century (Nova Iorque: Monthly Review Press, 2016); Mike Davis, Planet of the Slums (Londres: Verso, 2007).

[62] Eric Hobsbawm, The Age of Capital (New York: Vintage, 1996).

[63] Paul M. Sweezy, “The Communist Manifesto Today,” Monthly Review 50, no. 1 (May 1998): 8–10.

[64] Karl Polanyi, The Great Transformation (Boston: Beacon, 1944), 178.

[65] Costas Lapavitsas, Profiting without Producing (London: Verso, 2013), 141–46.

[66] Marx, Capital, vol. 1, 742.

[67] O quadro de Natureza Barata de Moore baseia-se fortemente nas estimativas monetárias de serviços ambientais ou serviços ecossistémicos desenvolvidos pela economia ambiental neoclássica. Moore, Capitalismo na Teia da Vida, 64. Ver também a crítica à teoria do capital natural em John Bellamy Foster, "The Ecological Tyranny of the Bottom Line", em Richard Hofrichter, ed., Reclaiming the Environmental Debate (Cambridge, MA: MIT Press, 2000): 135-53.

[68] Ian Angus, Facing the Anthropocene (Nova Iorque: Monthly Review Press, 2016), 54-58; J. R. McNeill e Peter Engelke, The Great Acceleration (Cambridge, MA: Harvard University Press, 2014), 184-90.

[69] Karl Marx, Capital, vol. 3 (London: Penguin, 1981), 754.

[70] Curtis White, The Barbaric Heart (Sausalito: PoliPoint, 2009).

 

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De uma palavra-aracna, cheia de pernas longuíssimas que se estendem ao mais fundo de nosso elo com a vida em sua potência oceânica, Louise Michel confunde-se com os corpos que se expõem à sua densidade grave. Diante de nós, o queimar do futuro, respirando o pó dos ossos que seguram a pele fina de quem sobrevive - porém é a memória encarnada de um rapto indomável que nos resgata à luta, nos põe em elo com o movimento da vida, nos arrisca e nos regenera. Lembramos hoje Louise Michel, este oceano furioso, quebrando suas ondas na casca dura, impetuosamente limpando as carcaças, criando caminhos. Gabriela de Laurentiis e Samantha Lodi conversam conosco, neste episódio especial da rádio aurora em ocasião de nosso lançamento, "Tomada de Posse", em colaboração com Autonomia Literária, sobre os afetos que ressoam desta mulher-imagem, chapiscada de combate, imensa de potência.


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