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marx, valor e natureza - parte III de IV


Claude Cahun - 1929-1930

último crime: A intenção dessa coluna é trazer material crítico, preferencialmente inédito em nossa língua, para contribuir com as discussões que permeiam seres não humanos e humanos em sua luta pelo fim da exploração do trabalho, sua busca por autonomia e a superação do modo de produção em que [sobre]vivemos. Os textos que publicados neste espaço examinam as diferentes relações estabelecidas, na história e no momento atual, entre animais humanos e os animais não-humanos, dentro da perspectiva dialética, materialista histórica e anticapitalista.

 

O texto original "Marx, Value and Nature", foi publicado na revista socialista Monthly Magazine em julho de 2018, por John Bellamy Foster, americano, professor de sociologia da Universidade de Oregon, autor de "Marx's Ecology" (2000), "Ecology Against Capitalism" (2002), entre outros em que aparece como coautor. Foster é, também, editor da Monthly Review nos Estados Unidos.


Tradução de Alex Peguinelli

 

Marx, Valor e Natureza


John Bellamy Foster


[parte III de IV]


Valor e natureza


Com o aumento do ecossocialismo, influenciado pela fenda [metabólica] planetária, as críticas ecológicas ao sistema capitalista se aprofundaram e se multiplicaram. E, como em qualquer outro período de avanço teórico, apresentaram-se perspectivas e posições fortemente diferentes, gerando novos debates acerca da concepção, escopo e propósito da crítica do valor marxiana. Ambientalistas de esquerda e militantes ecologistas como Stephen Bunker, Alf Hornborg, Zehra Taşdemir Yaşin e Giorgos Kallis, procuraram desconstruir completamente a teoria do valor-trabalho, argumentando que a natureza/energia, em geral, e as espécies, em particular, criam valor em abstrato, não restrito ao trabalho humano (ou, como no caso Hornborg, valor econômico enquanto simplesmente normativo) [27]. Tais análises frequentemente vêm de teóricos que trabalham fora do campo da economia política crítica e, que, portanto, tendem a confundir conceitos como uso de energia, valor de uso, valor intrínseco e valor normativo, com o sistema econômico de valor de mercadoria [commodity] baseado no trabalho abstrato sob o capitalismo.


Na crítica de Marx ao processo de valorização capitalista historicamente específico, o valor é a cristalização do trabalho abstrato socialmente necessário - "o trabalho como dispêndio da força de trabalho" [28]. Essencial a esta crítica é o reconhecimento de que os valores de uso natural-material, embora elementares para cada mercadoria, e base de toda sua riqueza real, são excluídos do cálculo de valor realizados no capitalismo, na medida em que nenhum trabalho é incorporado em sua produção. Como o próprio Marx colocou nos Grundrisse, "o material puramente natural, na medida em que nenhum trabalho humano é nele objetivado (...) não tem valor [econômico] sob o capitalismo" [29]. Esse caráter contraditório da produção de mercadorias capitalista, manifestado na oposição entre valor de uso e valor de troca, coloca a forma limitada do cálculo de valor capitalista em confronto com a riqueza real - que tem suas fontes nos valores de uso materiais naturais e no trabalho humano concreto [30].


Uma vez que o valor de uso não desempenha papel direto na lógica interna de valorização capitalista, isto dá origem, tanto na economia clássica, como na neoclássica, à noção de "dádiva/presente [free gift] da Natureza ao capital" [31]. A exploração e a acumulação capitalista, como explica Marx, dependem, em última análise, da usurpação, pelo capital, das dádivas/presentes da natureza para si, monopolizando os meios de produção e a riqueza em sua totalidade [32]. Esta alienação da natureza tem sua contrapartida na alienação do trabalho - isto é, na emergência de uma classe sem nenhuma base de existência exceto a venda de sua própria força de trabalho.


Entendida desta maneira, a forma valor da mercadoria historicamente construída sob o capitalismo, não é aquela em que a natureza/energia ou as abelhas participam diretamente, mas um produto da existência de relações entre classes sociais humanas [33]. Ver a natureza/energia, e não apenas o trabalho abstrato socialmente necessário, como geradora de valor de mercadorias, cumpre a função de normalizar e universalizar o processo de valorização capitalista, elidindo seu caráter social e histórico específico e sua relação com a alienação e exploração do trabalho. Mesmo a economia neoclássica - juntamente com a economia ecológica de Nicholas Georgescu-Roegen - atribui todo o valor agregado à economia ao trabalho ou aos serviços humanos e nenhum à natureza/energia [34]. Assim, o capitalismo exclui a natureza (bem como a natureza corpórea dos seres humanos) de sua forma valor - uma contradição fundamental e, em muitos aspectos, letal.


Em contraste com os ataques frontais à teoria do valor de Marx descritos acima, a abordagem mais sutil de Moore parece, a princípio, estar de acordo com a teoria do valor de Marx, atribuindo valor ao trabalho. No entanto, ao examinar de perto, sua análise efetivamente usurpa a própria abordagem de Marx de todo seu significado, minando qualquer crítica ecológica (ou econômica) coerente ao capitalismo. Como diz Moore, seu “argumento procede de uma certa desestabilização do valor como uma 'categoria econômica'” [35]. Ao contrário da crítica de Marx à valorização capitalista, que reconhece o valor como cristalização do trabalho socialmente necessário e faz uma rápida distinção entre valor e riqueza, Patel e Moore, em A History of the World in Seven Cheap Things, procuram obliterar essas distinções por completo. Assim, declaram que "o valor é uma cristalização específica das 'fontes originais de riqueza': o trabalho humano e extra-humano” [36]. Aqui Marx é citado contra si mesmo, apresentando sua famosa definição de riqueza como a base de uma definição de valor, apagando uma distinção absolutamente crucial que separa Marx da economia burguesa. Em verdade, o núcleo da crítica marxista repousa sobre as distinções entre valor de uso e valor de troca e entre riqueza e valor.


Da mesma forma, em Capitalism in the Web of Life, Moore procura transformar a noção de Marx da "lei do valor", que se concentrava no quid pro quo ["algo dado a uma pessoa em troca de outra coisa"] como base da troca capitalista de mercadorias, em seu oposto, em relação à "ecologia mundial" como um todo [37]. Para Moore, a "lei do valor" tem como centro a ausência de um quid pro quo (em termos de troca) entre o capital e a "natureza barata" [cheap nature] [em termos de periódica e radical diminuição do tempo de trabalho necessário para a produção] - uma ausência que, então, se torna a base final, em sua análise do "valor expansivo", da valorização capitalista -, em total contradição com a própria análise de Marx [38]. Moore sustenta que o valor, em sua forma expansiva abrangente (incluindo o valor não-laboral), deriva principalmente da apropriação do trabalho/energia em geral, da qual a exploração do trabalho é simplesmente um epifenômeno.


Assim, o segredo da acumulação é "a lógica unificada do capitalismo de apropriar-se do 'trabalho' humano e extra-humano, transformado em valor". Nesta visão, a ecologia/economia do mundo capitalista e toda a interação humana com a natureza equivalem à apropriação de "quatro coisas baratas" [“four cheaps”]: força de trabalho, alimentos, energia e matéria-prima [39]. A força de trabalho é apresentada, então, como não mais significativa em relação à lei do valor do que os alimentos, a energia e as matérias-primas. (Em seu trabalho posterior, com Patel, Moore expandiu a estrutura de quatro para "sete coisas baratas", acrescentando a natureza, o trabalho, o dinheiro, as vidas e o trabalho de cuidado, deixando de lado a força de trabalho e as matérias-primas). Esta formulação convoluta, entretanto, inibe efetivamente qualquer crítica coerente da produção de valor capitalista, muito menos permite qualquer compreensão significativa das crises ecológicas engendradas pelo sistema capitalista [40].


O argumento de Moore a respeito das "quatro (ou sete) coisas baratas" está enraizado em sua concepção mais elástica daquilo que constitui valor sob o capitalismo, e na civilização em geral, com a qual ele pretende apresentar nada menos que uma "nova lei de valor", abrangendo tanto a exploração do trabalho, quanto a apropriação da natureza/energia física [41]. "Leis de valor", escreve, são fenômenos "que formam e dão coerência a uma civilização". Elas são o produto em grande parte da apropriação do "trabalho" físico, ou seja, da energia proveniente do universo. Tais "relações de valor expansivo", como ele as chama, "levam uma vida dupla", estendendo-se além do processo de trabalho e produção de valor propriamente dito, bem como além do fenômeno do trabalho humano não remunerado, para incluir todo o "trabalho extra-humano" envolvido na ecologia do mundo capitalista. Estes domínios mais amplos de "trabalho/energia não remunerada" associados à "zona de apropriação" superam de longe a exploração do trabalho na determinação das dimensões globais e expansivas de valor de uma dada civilização [42].


"A lei do valor", argumenta Moore, "longe de ser redutível ao trabalho social abstrato, encontra suas condições necessárias de auto-expansão por meio da criação e posterior apropriação da natureza barata", ou seja, por meio da apropriação da teia da vida em geral [43]. Novamente, ficamos num nível de obscuridade equivalente à "propriedade é roubo" de Proudhon. Diz-se que a "lei do valor" tem como base, em última instância, a "apropriação do 'trabalho não remunerado da natureza'" (juntamente com o trabalho não remunerado das mulheres no lar e outras formas de trabalho humano não remunerado). Tanto "o trabalho/energia acumulado de formação de combustível fóssil", como a exploração da força de trabalho em uma fábrica são "momentos inscritos na lei do valor". A atmosfera é "posta para trabalhar" na absorção de gases de efeito estufa, pelos quais também "não é remunerada", contribuindo para a valorização capitalista [44].


Aqui, a "lei expansiva do valor" de Moore, baseada em um "mundo de trabalho não remunerado" no qual a "lei do valor no capitalismo é equivalente a lei da natureza barata", se depara com um problema não resolvido, já que tal concepção é, praticamente, sem limites, abrangendo não apenas o ambiente planetário, mas o universo como um todo. Como Moore é forçado a admitir, todo um "mundo de trabalho não remunerado" neste sentido simplesmente "não pode ser quantificado” [45]. Embora declare que "o valor não funciona a menos que a maioria do trabalho não seja valorizada", isto tem por base uma simples tautologia, vez que o "trabalho" referido inclui tudo que está sujeito às leis do movimento da física, na medida em que se relaciona, em última instância, com a economia - da agricultura de subsistência a uma colmeia, a uma cachoeira, a um isótopo radioativo a uma reação nuclear [46]. "Carvão e petróleo", escreve, "são exemplos dramáticos deste processo de apropriação do trabalho não remunerado" [47].


É esta apropriação universal "não remunerada" do trabalho/energia da terra[/Terra], como uma condição eterna da existência humana, que Patel e Moore descrevem como "roubo contínuo", levando no final a "baratos" que saem cada vez mais "caros" [48]. No entanto, embora o capital acabe por possuir energias pelas quais não paga, assim como não paga para que o trabalhador exerça sua capacidade de pensar, tentativas de tratar tal apropriação da capacidade de trabalho da natureza, no sentido da física, como quantificável e de alguma forma proporcional à produção de valor econômico nas relações sociais capitalistas gera somente imprecisão [49]. Tampouco ajuda muito caracterizar uma queda d'água, mesmo uma usada para gerar eletricidade, como "[uma queda d´água] não remunerada".


Na "nova lei do valor" de Moore, toda a existência material, seja o trabalho social pago, o trabalho social não remunerado ou o trabalho/energia não remunerada advinda universo, importa em grande parte na medida em que é aproveitada para o processo de valorização capitalista. O trabalho/energia realizado pelo Sol, e a Terra que ao longo de milhões de anos levou à formação de depósitos de carvão e petróleo - acrescentado do trabalho físico que o carvão e o petróleo realizam na produção atual, como fontes de energia de baixa centralidade - tudo entra na determinação da lei ampliada de Moore sobre o valor da mercadoria, que ele afirma poder ser responsável pela "transformação do trabalho [da] natureza no valor [econômico] da burguesia". A física, a ecologia e a economia são todas enroladas em uma só, apagando distinções fundamentais, questões cruciais para a crítica ecológica (e econômica) de Marx. De fato, "a relação capitalista", para Moore, "transforma o trabalho/energia de todas as naturezas em (...) valor" [50].


Os pontos de vista discutidos acima ou negam a teoria do valor do trabalho sob o capitalismo (como em Bunker, Hornborg, Yaşin e Kallis), ou a esticam ao ponto do absurdo em busca de "uma única lógica da riqueza, poder e natureza" sob o capitalismo (como em Moore). Em contraste, argumenta-se aqui que a relação metabólica entre o ser humano e a natureza é uma relação alienada e contraditória, conduzindo a um corte entre as leis antagônicas do movimento (e lei do valor) do capitalismo e do Sistema Terra [51]. Crises ecológicas não surgem simplesmente, ou mesmo principalmente, porque a economia mundial (ou a ecologia mundial) se apropria do trabalho da natureza externa sem pagamento, nem porque a "natureza barata" está se tornando "natureza cara", minando o resultado final do capitalismo. Entendida corretamente, uma crise ecológica, ou crise de desenvolvimento humano sustentável, não pode ser quantificada em dólares e centavos, ou em termos de natureza barata, muito menos de "natureza não remunerada".


Ao contrário, no coração da fenda metabólica atual, como Marx argumentou, está a lógica do sistema alienante de acumulação capitalista, no qual todas as fronteiras naturais são tratadas como meras barreiras a serem superadas, abrindo fendas antropogênicas nos ciclos biogeoquímicos fundamentais que constituem o Sistema Terra como um todo [52]. As crises ecológicas propriamente ditas não são, portanto, crises de valor econômico, mas de ruptura e destruição das condições de reprodução ecológica e desenvolvimento humano em detrimento das futuras gerações humanas e das espécies vivas em geral [53]. Vista desta forma, a principal contradição ecológica reside na expropriação da natureza como uma dádiva ou presente realizada pelo capital, levando ao "desperdício dos poderes da Terra". Isto é o que Marx quis dizer quando disse que o solo foi "roubado" das condições de sua reprodução, gerando assim uma fenda no metabolismo da humanidade e da terra/Terra [54].


Não é tanto a apropriação do trabalho/energia da natureza como uma condição inerente da sociedade e produção e, na verdade, da própria vida em si mesma, que deveria nos preocupar primordialmente - embora o aumento do rendimento ambiental seja central - mas sim com as sempre crescentes fendas ecológicas impostas ao Sistema Terra pela lógica antagônica do capital. Dito de outra forma, não é o simples fato da livre apropriação do trabalho/energia física pelo ser humano (uma condição objetiva de existência) que é a principal fonte de nossas contradições ecológicas, mas a expropriação voraz da natureza pelo capital e a fenda metabólica em si - ou seja, a ruptura historicamente específica do sistema de mercadorias das condições elementares e ciclos biogeoquímicos de reprodução natural dos quais a existência humana e de inúmeras outras espécies, em última instância, dependem.

[fim da parte III]


[Parte IV, final - "Contra a Expropriação da Terra", em breve]

 

Notas:

[27] Ver, por exemplo, Stephen Bunker, Underdeveloping the Amazon (Chicago: University of Chicago Press, 1985), 31-36, 44-45; Alf Hornborg, "Rumo a uma Teoria Ecológica da Troca Desigual," Ecological Economics 25, no. 1 (1998): 130, e Global Ecology and Unequal Exchange (Londres: Routledge, 2011), 104; Zehra Taşdemir Yaşin, “A Aventura do Capital com a Natureza: Da Fenda Metabólica ao Valor da Natureza”, Journal of Peasant Studies 44, no. 3 (2017): 391–93; Giorgos Kallis e Erik Swyngedouw, “Do Bees Produce Value?” Capitalismo Natureza Socialismo 28, no. 3 (2017): 1-15. Para críticas de tais pontos de vista, consulte Matthew T. Huber, "Value, Nature, and Labor: A Defense of Marx", Capitalism Nature Socialism 28, no. 1 (2017): 39–52, e Paul Burkett, Marx and Nature (Chicago: Haymarket, 2014).

[28] Karl Marx, Texts on Method (Oxford: Basil Blackwell, 1975), 200.

[29] Marx, Grundrisse, 366. Na economia política clássica, a renda, definida como uma dedução da mais-valia total, serve para dar a certos recursos naturais valores de troca, sem que esses recursos gerem de forma alguma o valor da mercadoria como tal - pois o último tem sua fonte exclusivamente no trabalho abstrato.

[30] Karl Marx, Critique of the Gotha Program (Nova York: International Publishers, 1938), 3-4.

[31] Marx e Engels, Collected Works, vol. 37 (Nova York: International Publishers, 1998), 732–33. A noção de “dádiva gratuita da natureza” ao capital não foi inventada por Marx, mas foi axiomática na obra de todos os economistas políticos clássicos, incluindo Thomas Robert Malthus e Adam Smith. Coube a Marx, no entanto, dar a esse conceito uma leitura crítica, explicando que esses presentes foram monopolizados pelo capital no contexto da alienação da natureza e da humanidade.

[32] Nada disso, é claro, significa, por exemplo, que as matérias-primas utilizadas na produção carecem de valor de mercadoria, na concepção de Marx. Eles adquirem valor como resultado da força de trabalho despendida em sua obtenção e processamento. Além disso, o aluguel da terra é uma dedução da mais-valia total, que então entra nos custos para a indústria. Ainda assim, é verdade que, embora as matérias-primas e outros valores de uso de materiais naturais empregados na produção (como capital constante) tenham valor, eles não geram valor, como o trabalho abstrato socialmente necessário. Além disso, o monopólio do capital dos poderes produtivos fornecidos pela natureza, visto como uma "dádiva gratuita da Natureza ao capital", constitui a fonte final de sua dominação de classe e suas tendências destrutivas mais amplas. Karl Marx, Theories of Surplus Value, Part Two (Moscow: Progress Publishers, 1968), 45-46.

[33] Ver Foster and Burkett, Marx and the Earth, 107–10.

[34] Para uma descrição crítica de como a contabilidade econômica capitalista padrão falha em incorporar o trabalho doméstico e de subsistência (principalmente por mulheres) e a natureza na contabilidade de valor agregado, ver Marilyn Waring, Counting for Nothing (Toronto: University of Toronto Press, 2009). Sobre a posição de Georgescu-Roegen, ver John Bellamy Foster e Paul Burkett, Marx and the Earth (Chicago: Haymarket, 2016), 135.

[35] Jason W. Moore, “The Capitalocene, Part II: Abstract Social Nature and the Limits to Capital” (June 2014): 29, http://researchgate.net; accessed April 13, 2018.

[36] Patel and Moore, A History of the World in Seven Cheap Things, 101.

[37] Como escreveu Paul Baran: “A lei do valor [pode ser vista] como um conjunto de proposições que descrevem os traços característicos da organização econômica e social de uma época particular da história chamada capitalismo. Esta organização é caracterizada pela prevalência do princípio do quid pro quo nas relações econômicas (e não apenas econômicas) entre os membros da sociedade; pela produção (e distribuição) de bens e serviços como mercadorias; pela sua produção e distribuição por parte de produtores independentes com a ajuda de mão-de-obra contratada para um mercado anónimo com vista ao lucro…. É pelo domínio dessa lei do valor que a ordem capitalista difere de todas as outras: da antiguidade em que a escravidão dominava as condições de produção e distribuição; do feudalismo, cujo sistema era baseado em uma rede abrangente de direitos, deveres e tradições; do socialismo em que o planejamento se torna o princípio predominante ”(Paul A. Baran para Stanley Moore, 5 de agosto de 1960, em Paul. A. Baran e Paul M. Sweeezy, The Age of Monopoly Capital [Nova York: Monthly Review Press, 2017 ], 253).

[38] Moore, Capitalism in the Web of Life, 14, 191. O fato de grande parte da natureza ou do Sistema Terrestre estar necessariamente fora do circuito de valores do capital dá origem ao Paradoxo de Lauderdale, no qual a riqueza pública (particularmente a riqueza da natureza fora do economia) é destruída pelo aumento das riquezas privadas em uma economia de troca de mercadorias. A riqueza privada depende da escassez como uma de suas condições e, portanto, da destruição da abundância da natureza, como bastante água limpa, ar respirável e assim por diante. Tentar incorporar riquezas privadas e públicas neste sentido dentro da "lei do valor", como na análise de Moore, apenas confunde as coisas ao elidir a contradição entre a produção de mercadorias capitalista e o mundo da natureza como um todo - isto é, entre o ladrão e o roubado. Veja Foster, Clark e York, The Ecological Rift, 53-72.

[39] Moore, Capitalism in the Web of Life, 14, 17.

[40] Moore argumenta que o capitalismo produz (ou “co-produz”) o mundo natural, efetivamente colocando as atividades do universo físico e as da sociedade no mesmo plano. Em contraste, como explica Marx, o máximo que qualquer forma de produção social pode realizar é mudar a forma como os processos biogeoquímicos ocorrem e alterá-los, freqüentemente uinterrompendo-os e levando a consequências imprevistas e muitas vezes perigosas. Falar da produção antropogênica da natureza é, portanto, atribuir forças supranaturais e divinas à sociedade humana. Karl Marx, Letters to Kugelmann (Nova York: International Publishers, 1934), p. 73; Marx, Capital, vol. 1, 133–34; Foster, Ecologia de Marx; Brett Clark e Richard York, “Rifts and Shifts: Getting to the Root of Environmental Crises,” Monthly Review 60, no. 6 (2008): 13–24.

[41] Moore, Capitalism in the Web of Life, 69–70.

[42] Jason W. Moore, “Value in the Web of Life, or, Why World History Matters to Geography,” Dialogues in Human Geography 7, no. 3 (2017): 327-28, Capitalism in the Web of Life, 53-54, 65-66, 73, e "The Rise of Cheap Labor," in Moore, ed., Anthropocene or Capitalocene (Oakland: PM, 2016 ), 98. A crítica da análise expansiva relacionada ao valor de Moore foi influenciada por Kamran Nayeri, "Capitalism in the Web of Life — A Critique," Climate and Capitalism, 19 de julho de 2016, http://climateandcapitalism.com; Jean Parker, “Ecology and Value Theory,” International Socialism 153 (2017); Ian Angus, “Do Seven Cheap Things Explain the History of Capitalism?” Clima e capitalismo, 10 de janeiro de 2018; Andreas Malm, The Progress of this Storm (Londres: Verso, 2018), 178-96.

[43] Moore, Capitalism in the Web of Life, 67.

[44] Moore, Capitalism in the Web of Life, 101–02. Ao definir apropriação como baseada no “trabalho” da natureza em geral, ao mesmo tempo que afirma que a apropriação como tal é roubo, Moore categoriza implicitamente todas as propriedades e produções humanas como roubo. Além disso, não há base aqui para distinguir a apropriação burguesa (propriedade) de outras formas de apropriação (propriedade), uma distinção que está no cerne da própria análise de Marx.

[45] Moore está se referindo não apenas ao trabalho humano fora da economia formal, mas, a todo o “trabalho” realizado no mundo físico da natureza. Moore, Capitalism in the Web of Life, 95.

[46] Moore, Capitalism in the Web of Life, 54. Hornborg argumentou que "as tentativas de Moore de teorizar a apropriação da estrutura ecológica produzem um idioma túrgido e obscuro", que Hornborg atribui ao "dogma marxista". Mas a abordagem de Moore não reflete quaisquer deficiências inerentes à teoria marxista, mas sim a própria negligência de Moore de distinções teóricas cruciais no modo marxista clássico. Isso pode ser visto mais claramente em sua tentativa de usar um idioma marxista, sem sua estrutura conceitual necessária, para desenvolver uma teoria que apaga as distinções entre a apropriação burguesa e todas as outras formas de propriedade (por confiar no conceito de apropriação em geral), e entre trabalho social humano e dispêndio de trabalho / energia no universo. Nada disso pode ser atribuído a Marx ou à teoria marxista. Alf Hornborg, Global Magic (Londres: Palgrave Macmillan, 2016), 169.

[47] Moore, Capitalism in the Web of Life, 71. Para ser claro, não pode haver dúvida de que o capitalismo depende da apropriação física da natureza em geral, e em quantidades cada vez maiores. Assim, Moore escreve sobre meu próprio trabalho que "o insight de Foster foi postular o capitalismo como um metabolismo de fluxo aberto, que requer cada vez mais a natureza barata apenas para permanecer no lugar." Em vez disso, a questão é como isso se relaciona com valor, acumulação, expropriação e crise ecológica sob o capitalismo. Moore, Capitalism in the Web of Life, 84.

[48] Patel and Moore, A History of the World in Seven Cheap Things, 81, 95.

[49] Marx, Grundrisse, 357–58. Para uma boa discussão de algumas dessas questões, consulte Ali Douai, "Value Theory in Ecological Economics", Environmental Values 18 (2009): 257–84.

[50] Moore, Capitalism in the Web of Life, 71, 101–02, "Value in the Web of Life", 328, e "The Rise of Cheap Labor", 89. Deve-se notar que a teoria clássica do aluguel, que se preocupava com a incorporação de recursos naturais na economia capitalista e que foi a chave para a própria análise econômica de Marx nessa área, é completamente ignorada em Capitalismo na teia da vida. Sobre os aspectos ecológicos da teoria da renda de Marx, ver Burkett, Marx and Nature, 74-75, 90-103.

[51] Moore, “Value in the Web of Life,” 327, Capitalism in the Web of Life, 85, 137, 236. Sobre o monismo social de Moore, ver Moore, Capitalism in the Web of Life, 85. Para uma crítica, ver John Bellamy Foster, "Marxism in the Anthropocene: Dialectical Rifts on the Left", International Critical Thought 6, no. 3 (2016): 393–421; John Bellamy Foster e Brett Clark, "Marx’s Ecology and the Left", Monthly Review 68, no. 2 (2016): 1-25.

[52] Sobre a dialética de barreiras e limites, ver Marx, Grundrisse, 334-35, 409-10, 539; Foster, Clark e York, The Ecological Rift, 53-72, 284-86.

[53] Sobre as contradições que surgem quando a crise ecológica é vista principalmente como uma questão de crise econômica provocada pelo aumento dos custos dos recursos naturais, e não em termos da degradação da própria natureza, ver John Bellamy Foster, “Capitalism and Ecology: The Nature of the Contradiction ”, Monthly Review 54, no. 4 (setembro de 2002): 6–16.

[54] Marx, Capital, vol. 1, 637–38, vol. 3 949.

[55] Marx, Capital, vol. 3, 369; Marx e Engels, Collected Works, vol. 5 (Nova York: International Publishers, 1975), 52; John Bellamy Foster, “Capitalism and the Accumulation of Catastrophe,” Monthly Review 63, no. 7 (dezembro de 2011): 1–17; Saito, Karl Marx’s Ecosocialism, 239-55.

[56] Marx, Early Writings, 318.

[57] Foster, Clark, and York, The Ecological Rift, 53–72.

 

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Neste quarto episódio de encontro-pólvora, conversamos com os antropólogos Wander Wilson e Gustavo Racy, que é também editor da sobinfluencia, sobre realismo político e o papel e necessidade da imaginação para a criação de outros mundos. Partindo de uma reflexão acerca da fantasia, tal qual presente na literatura fantástica de J.R.R. Tolkien e na ficção científica de Ursula K. Le Guinn, a conversa gira em torno do conceito de imaginação e realismo, tanto político quanto estético e desafiam a autoridade do "real" na construção em ato de alternativas às formas de vida política contemporâneas.

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