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reruralizando o mundo - parte I de III

Atualizado: 11 de jul. de 2021


Colagem por Alex Peguinelli

último crime: A intenção dessa coluna é trazer material crítico, preferencialmente inédito em nossa língua, para contribuir com as discussões que permeiam seres não humanos e humanos em e sua luta pelo fim da exploração do trabalho, sua busca por autonomia e a superação do modo de produção em que [sobre]vivemos. Os textos que publicados neste espaço examinam as diferentes relações estabelecidas, na história e no momento atual, entre animais humanos e os animais não-humanos, dentro da perspectiva dialética, materialista histórica e anticapitalista.

 

Este artigo é uma versão traduzida de "Riruralizzare il mondo (...) per recuperare lo spirito e la vita", de Mariarosa Dalla Costa, entregue no Terra e Libertà/ CriticalWine convenção realizada no Centro Sociale La Chimica, em Verona, de 11 a 13 de abril de 2003. Foi publicado em italiano em M. Angelini et al. (Eds.). 2004. Terra e Libertà/Critical Vinho. Roma: DeriveApprodi. Traduzido do italiano para o inglês por Enda Brophy.

 

Reruralizando o Mundo

Mariarosa Dalla Costa


[parte I de III] Comecei a pensar a terra como uma questão crucial no final dos anos oitenta, no encalço de uma trajetória que, durante os anos sessenta e setenta, teve como ponto elementar a fábrica enquanto o espaço do trabalho assalariado [trabalho pago] e o lar como o espaço do trabalho não assalariado [trabalho não pago] - dentro do qual o primeiro encontra suas profundas raízes. O trabalho, portanto, envolvido na produção de mercadorias e na reprodução da força de trabalho, o trabalho operário e o trabalho realizado em casa, todos incorporados à organização fordista da sociedade. Naquela época, dizíamos que o empregador, com um salário, na realidade, comprava a força de trabalho de duas pessoas: o trabalhador e sua esposa. Por outro lado, o trabalho agrícola - o trabalho da terra -, responsável por reproduzir a vida, permaneceu, à margem do pensamento. A questão que, aparentemente, sempre esteve oculta, tanto em minha trajetória, como na de tantas outras pessoas, era o calcanhar de Aquiles do capitalismo - sistema profundamente desigual que quereríamos transformar. Trabalhadores, estudantes e mulheres estavam em movimento, mas, naquele tempo, dentro da cultura em torno do marxismo vigente, que permeava parte da comunidade insurrecional nos países desenvolvidos, a mão-de-obra agrícola, o agricultor, era visto como anacrônico. Os anos oitenta, em que políticas estatais foram formuladas como resposta ao ciclo de lutas sociais dos anos sessenta e setenta, foram anos em que o neoliberalismo decolou. Anos em que são aplicadas, de forma sistemática e cada vez mais drástica, políticas de ajuste estrutural em muitos países, causando no mundo uma pobreza sem precedentes. Ao mesmo tempo em que multiplicam-se os levantes pelo pão e contra o aumento do custo de vida, desde a América Latina, África, até a Ásia. No entanto, a direção de estados nacionais foram intensamente influenciadas por recomendações do Fundo Monetário Internacional, que prescreviam, para territórios onde a terra fosse livre ou sujeita a formas de uso comunitário/local, a necessidade de fixação de um preço. Em outras palavras, toda terra comunitária deveria se sujeitar a um regime de propriedade privada. O resultado dessa política é que os que necessitam trabalhar na terra devem, antes de mais nada, comprá-la. Não é coincidência que durante esses anos as lutas em torno da expropriação da terra, e da água que percorre suas veias, também sejam expandidas. Neste contexto, a questão da terra se tornou central em meu pensamento. Isso porque leva em consideração os altos níveis de pobreza e a impossibilidade de subsistência que sua expropriação determina, em conjunto com políticas neoliberais e medidas típicas de ajuste estrutural. Nos anos sessenta, a expropriação da terra, nesses moldes, era uma prática particularmente difundida, caracterizando, inclusive, a Revolução Verde, que exigia os maiores e melhores loteamentos de terras para monoculturas de exportação em detrimento do financiamento público para agricultura de subsistência.

A expropriação da terra foi acompanhada pela expulsão de populações inteiras que dela retiram sua possibilidade de nutrição e abrigo. Erradicada de sua terra, essa população buscou refúgio nas periferias urbanas ou tomou a rota da migração para outras localidades. A expropriação da terra e a erradicação/expulsão de sua população também caracterizou muitos dos projetos de desenvolvimento do Banco Mundial, começando com a construção de grandes barragens, estradas, removendo populações inteiras. Projetos realizados para complementar as políticas de ajuste estrutural. Assim, na medida em que a qualidade de vida era rebaixada, os lucros eram maximizados, graças à destruição, em larga escala, de fatores que compõem a base da reprodução social. Nesse esteio, encontrei como fatores constantes e cruciais da fase de desenvolvimento, que fez decolar aqueles anos [de neoliberalismo], as macro-operações sobre a terra e sua população que há cinco séculos permitem que o sistema capitalista seja hegemônico. Por um lado, a expropriação e a acumulação de terras. Por outro, o acúmulo de indivíduos miseráveis, incapazes de reproduzir sua vida social, vez que foram privados dos meios fundamentais de produção e reprodução. Sobretudo, foram privados de sua própria terra. Assim, estas mesmas operações funcionavam, agora, para uma outra expansão das relações capitalistas, assim como para a reestratificação do trabalho global. Se a expropriação de terra permanece um elemento fundamental do processo de acumulação primitiva, que se reproduz de novo, e de novo, gerando níveis cada vez mais altos de pobreza e fome, a questão que gira em torno dela, então, se apresenta com urgência. Vez que é relevante não somente para aqueles que, diretamente, correm o risco de serem expulsos de seus territórios, mas para a humanidade - em sua totalidade. As condições do trabalho e da vida de homens e mulheres em todo o mundo, independentemente de onde vivam, estão correlacionadas, tendo em vista que é com a expulsão da terra que a condição de classe é refundada e o trabalho dentro da economia global é reestratificado. No que diz respeito aos exilados, expulsos de sua terra, é impensável pensarmos que os empregos se multipliquem em número suficiente. Em vez disso, testemunhamos a dizimação de postos de trabalho sob várias formas. Tampouco é possível enganar a si mesmo na esperança de uma renda global garantida, de tão vastas proporções. No entanto, ainda que essa renda chegue um dia, talvez em substituição às bombas, poderíamos realmente delimitar a questão ao acesso à mercadorias, mais especificamente, à questão financeira suficiente para a compra de produtos agrícolas que, dentro de sua racionalidade neoliberal, permanecem estruturados diante de uma linha produtiva que deteriora cada vez mais nossos corpos, aniquila pequenas economias e seus empregos, além de devastar o meio em que vivemos? E, para além disso, quanta liberdade realmente teremos enquanto todos os habitantes da Terra permanecerem dependentes única e exclusivamente do dinheiro para sobreviver? [fim da parte I]

 

Tradução de Alex Peguinelli. Para comentários/críticas/sugestões: antiespecismocritico@gmail.com




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