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reruralizando o mundo - parte II de III

Atualizado: 11 de jul. de 2021


Colagem por Alex Peguinelli

último crime: A intenção dessa coluna é trazer material crítico, preferencialmente inédito em nossa língua, para contribuir com as discussões que permeiam seres não humanos e humanos em e sua luta pelo fim da exploração do trabalho, sua busca por autonomia e a superação do modo de produção em que [sobre]vivemos. Os textos que publicados neste espaço examinam as diferentes relações estabelecidas, na história e no momento atual, entre animais humanos e os animais não-humanos, dentro da perspectiva dialética, materialista histórica e anticapitalista.

 

Este artigo é uma versão traduzida de "Riruralizzare il mondo (...) per recuperare lo spirito e la vita", de Mariarosa Dalla Costa, entregue no Terra e Libertà/CriticalWine convenção realizada no Centro Sociale La Chimica, em Verona, de 11 a 13 de abril de 2003. Foi publicado em italiano em M. Angelini et al. (Eds.). 2004. Terra e Libertà/Critical Vinho. Roma: DeriveApprodi. Traduzido do italiano para o inglês por Enda Brophy.

 

Reruralizando o Mundo, de Mariarosa Dalla Costa [parte II de III] […]

A partir dos anos oitenta, partindo do Sul Global, e com maior visibilidade e formalização a partir dos anos noventa, uma série de redes deram início a uma certa estruturação. Muitas delas buscando conectar-se umas às outras através de uma organização de de maior alcance e notoriedade: a Via Campesina. O que traz as questões em torno da agricultura e da saúde alimentar como demandas prementes. Novas redes e novos sujeitos compunham o Movimento campesino, que acolhia os demais movimentos em sua rede. Pode-se dizer que na década que se encerrou [1990] - com raízes fincadas nas lutas por pão, terra e água, presentes nos anos oitenta -, um movimento ao redor do globo passou a se organizar tendo como princípio a defesa do acesso à terra, bem como a preservação de seus poderes reprodutivos, além de reivindicar alimentos frescos e genuínos [não industrializados]. Encontrei a Via Campesina no ano de 1996, em Roma, quando, com Vandana Shiva [1952-], Maria Mies [1931-], Farida Akter [1948-] e pessoas de outros movimentos sociais, organizamos a primeira convenção alternativa à que seria realizada pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura [FAO]. Essa rede formada por nós detinha importância central para mobilização, organização e refino de questões que seriam levadas ao conhecimento de todas pessoas presentes. Ao mesmo tempo, também nesse mesmo período, a insurreição zapatista passava por um momento crucial, que teve em seu cerne - como em todas lutas indígenas - a questão da terra/Terra enquanto um bem comum. Levando em consideração a ressonância com que o movimento veio à tona, a reação imposta à ele e o apoio que gozou de diferentes setores dos países europeus mais industrializados, a insurreição zapatista construiu um vínculo que, pela primeira vez, uniu a luta contra a expropriação da terra à luta contra a expropriação pós-fordista [da força] de trabalho. Sintomático haver por um lado a insurreição do povo indígena de Chiapas e, por outro, a luta dos trabalhadores e desempregados europeus: ambos tomando as ruas, levando em mãos a bandeira de Zapata [1879-1919]. Em 1996, no entanto, questões agrícolas eram de escassa atenção por parte de movimentos radicais italianos. Ainda lembro de sentir certa surpresa em torno do assunto quando levantado em uma reunião do movimento que ajudei a organizar em março daquele ano. A atenção que hoje se dá às questões em torno da agricultura e da terra são capazes de nos oferecer uma medida do aprofundamento das discussões que foram realizadas a partir de então. As redes que vêm se estruturando a partir de vários pontos do Sul Global, para além da insurreição zapatista, devolveram ao mundo europeu o conceito de terra/Terra como um bem comum, de valores multifacetados. Consideremos como facetas primárias dessa luta: [a] A terra/Terra, sobretudo, como fonte de vida, de nutrição e de abundância - uma vez preservada e capaz de reproduzir a si mesma. O direito de acesso à terra e seus recursos, contra a contínua busca por sua privatização e, acima de tudo, a defesa do acesso à água e às sementes para o plantio. Possibilidade econômica de cultivar a terra de acordo com técnicas orgânicas, utilizando toda a biodiversidade oferecida. O direito à variedade de alimentos como um direito universal -não restrito apenas para uma elite econômica - enquanto garantia de nutrição e bem-estar. A soberania alimentar como a outra face da democracia alimentar, base para um projeto de vida distinto, em que práticas agrícolas, de produção e comercialização, não são expropriatórias do ponto de vista econômico, social e ambiental. Contra as monoculturas, que nos condenam à homogeneidade nutricional (e, portanto, nos submetem a uma baixa nutrição, tornando nossa saúde precária), contra a produção industrial de alimentos (muitas vezes inacessíveis, no próprio mercado interno, para grande parte da população sem poder de compra) e, finalmente, contra a especialização do cultivo imposta geograficamente à grandes áreas dentro da internacionalização neoliberal de mercados; [b] A terra/Terra como fonte de evolução natural. O direito de proteger a integridade e a diversidade contra sua destruição, manipulação genética e a miserabilidade que delas resultam, além de riscos próprios para a população em geral. Nossas redes devem se opor não apenas à expropriação da terra, mas à sua violação, bem como à mercantilização de sua capacidade de reproduzir a vida, terreno crítico da atual estratégia capitalista da fome, eficaz em sua funcionalidade de estratificar a mão-de-obra ou mantê-la à margem, como exército de reserva. Estas questões são essenciais ao que cabe não só à possibilidade, mas à qualidade e liberdade da reprodução [da vida] humana. Nesse sentido, as posições políticas que desejam um projeto de uma vida outro, que seja revolucionário, parecem ser as que mais apontam para a conservação. [c] A terra/Terra como território em que se vive cotidianamente lutando contra a erradicação progressiva e contínua trazida pelo conceito industrial de agricultura, bem como por operações de Guerra. Esses dois fatores retiram a terra de populações inteiras poluindo-as, no primeiro caso com produtos químicos e, no segundo, com explosivos. Deste modo, a poluição por novos explosivos e/ou por novas substâncias tóxicas, promovem uma infinidade de danos irreversíveis causando a expulsão [de uma população] sem possibilidade de retorno. [d] A terra/Terra como um espaço comum contra seu contínuo cercamento e privatização. Desde o crescente número de terras destinado à criação de campos para refugiados até imensos espaços que abarcam novos campos de golfe (retirando terreno de campos que poderiam ser destinados à agricultura, à plantação de campos de arroz ou à criação de parques públicos), sangrentas lutas foram travadas em torno do projeto neoliberal, do México ao Vietnã. Mesmo a construção da comunidade que estas redes representam, que partem da terra como um bem comum primário - na medida em que a entendem como a base de uma construção social distinta -, buscam articulação dentro de uma abordagem multifacetada. Acima de tudo, nessas redes, as mulheres ocupam um papel emergente que corresponde à natureza social de sua posição dentro da mão-de-obra agrícola e a reprodução da família nuclear. Essas redes, ao trazerem à tona o papel fundamental desempenhado pelas mulheres no trabalho de subsistência agrícola, nos lembram o fato de que é sobre as mulheres e as crianças que recaem as mais terríveis consequências da Revolução Verde e do projeto econômico neoliberal. Se faz necessária, portanto, uma participação igualitária das mulheres em movimentos organizados para o planejamento da agricultura. Ao trazer a questão da condição da mulher nesse contexto, levanta-se, acima de tudo, o problema da violência da qual essa mulher é vítima. Seja dentro da própria família, seja na sociedade ou, nestes casos em particular, durante as operações de expropriações de terras, em que o direito de mulheres e crianças à educação e à saúde, para mencionar apenas dois dos mais importantes, tornam-se precários [ou inexistentes]. Por outro lado, são sintomáticas as mudanças na relações que se estabelecem entre homens e mulheres que dentro do Sindicato dos Agricultores de Karnataka [fundado em 1980, contando com cerca de dez milhões de membros, hoje parte da Via Campesina] decidiram por abolir os rituais de casamento que possuíam um custo financeiro muito elevado, o que impedia a formalização ritualística da união entre casais. Para solucionar tal questão, casamentos civis de "respeito recíproco", sem a intervenção do brâmane, passaram a ocorrer no lugar do casamentos convencionais, que muitas vezes geravam enormes dívidas para as famílias. Esse mesmo sindicato promove programas [educacionais] e encontros voltados para mulheres, além de um percentual fixo de assentos em seus comitês, que são reservados para essas mulheres. [fim da parte II]

 

Tradução de Alex Peguinelli. Para comentários/críticas/sugestões: antiespecismocritico@gmail.com



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