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uma resposta marxista ao antiespecismo

Atualizado: 28 de jul. de 2021


Colagem por Talita Santana

último crime: A intenção dessa coluna é trazer material crítico, preferencialmente inédito em nossa língua, para contribuir com as discussões que permeiam seres não humanos e humanos em sua luta pelo fim da exploração do trabalho, sua busca por autonomia e a superação do modo de produção em que [sobre]vivemos. Os textos que publicados neste espaço examinam as diferentes relações estabelecidas, na história e no momento atual, entre animais humanos e os animais não-humanos, dentro da perspectiva dialética, materialista histórica e anticapitalista.

 

Texto escrito por Judy Heithmar e Brit Schulte, publicado originalmente na página Species and Class no dia quatro de novembro de 2014.


Tradução de Alex Peguinelli

 

Uma Resposta Marxista ao Antiespecismo

Judy Heithmar e Brit Schulte


De início, é preciso dizer que esse artigo foi escrito por feministas marxistas que acreditam fortemente que um mundo sem exploração e opressão é possível, um mundo em que os recursos naturais atendam de maneira sustentável às necessidades humanas e não-humanas, e em que as pessoas possam se organizar livremente. É também uma resposta a um artigo escrito por um dos membros do conselho editorial da Species and Class, Roland Windsor Vincent. Mais amplamente, no entanto, o artigo se esforça para destacar algumas tendências problemáticas contidas tanto no movimento pelos direitos animais, quanto no movimento por bem-estar animal, de modo a ampliar e fortalecer nossa política animal (animal politics). Essa posição é orgulhosamente intolerante com o racismo e o sexismo, sistemas de opressão frequentemente utilizados por grupos que clamam estar ao lado dos direitos ou bem-estar animal (nem peçam para que a gente comente sobre a PETA).

Temos alguns comentários iniciais e críticas imediatas ao artigo de Roland. Talvez a crítica mais notável seja não haver menção às espantosas disparidades raciais entre aqueles que são encarcerados nesta nação de encarceramento em massa atual. Essa estatística, na verdade, aparece nas chances de 1 em cada 3 homens negros e 1 em cada 6 homens latinos serem vítimas do encarceramento em massa em algum ponto de suas vidas, em comparação a 1 em cada 17 homens brancos. Sem reconhecer isso, o artigo de Roland deixa de considerar a experiência vivida por tantos não-brancos (people of color), cujas vidas são destruídas pelo sistema prisional dos EUA, o que, infelizmente, acaba sendo uma omissão bastante racista. Além disso, usar a palavra condenado (convict) para descrever qualquer ser encarcerado, não só traz uma conotação negativa, mas deve ser reconhecido de maneira extremamente problemática se o seu objetivo for realmente promover a solidariedade e conectar lutas como a luta pela abolição das prisões e a abolição da exploração animal.

Além disso, não há como argumentar haver uma “hierarquia de opressões” - não podemos simplesmente sentar aqui, jogar Olimpíadas das opressões e tentar comparar as maneiras pelas quais a superexploração sob o capitalismo se desenvolve - fazer isso é um insulto e uma injustiça para todos os grupos que são violentados diariamente. Roland também não menciona a comparação que fazemos de humanos à animais a fim de desenvolver uma justificativa para uma opressão violenta. Por exemplo, sobreviventes do Holocausto lembram que os nazistas se referiam aos judeus como vermes, cadelas, cachorros, vacas, etc - especialmente se referindo às mulheres e crianças. Ainda mais suspeito é a completa falta de discussão sobre a comoditização de seres vivos sencientes, e como isso se desenvolve de maneira diferente em corpos humanos aprisionados e seu trabalho, e em corpos de animais não-humanos e suas mortes.

O movimento em direção à emancipação dos animais não-humanos, popularmente chamado de movimento pela Libertação Animal (Animal Liberation), precisa se afastar de modos moralistas, ultrapassados e arcaicos de comparação racista se quiser ser um movimento levado a sério e defendido por pessoas que lutam contra as opressões do sistema capitalista.

Pensadores como o eticista Peter Singer precisam ser descartados na lata de lixo da história - sendo mencionados apenas quando evocamos uma ignorância do que já foi. Não é o suficiente citá-lo por algum texto fundador - sendo esse texto o livro “Libertação Animal” (“Animal Liberation”). Este trabalho está desatualizado, apresenta uma linguagem incrivelmente problemática e é grosseiramente sub qualificado para ser a coluna dorsal do movimento que busca acabar com superexploração de animais humanos e não-humanos.

Igualmente, enquanto o descartamos - descartemos também suas afirmações racistas de que algumas pessoas são impróprias para criar um filho e, além disso, que algumas crianças, nomeadamente àquelas que possuem síndrome de down, não se encaixam na vida. Ele defendeu abertamente a eliminação de crianças com alguma deficiência mental e, ao fazê-lo, endossou claramente a eugenia. Singer afirma em seu livro, Rethinking Life and Death (Repensando a Vida e a Morte, em tradução nossa), que matar uma criança com síndrome de down é ético porque “a qualidade de vida de alguém com down [está] abaixo do padrão em que o tratamento médico para sustentar a vida de uma criança se torna obrigatório”. Note-se que, no caso da lógica de Singer, “tratamento para manter a vida” (treatment to sustain life) refere-se não somente ao tratamento médico, mas também aos tratamentos gerais e alimentação da criança.

De acordo com Singer, o que promove a base moral para matar crianças com essa condição é que “as perspectivas futuras de vida são tão sombrias”, que eles podem nunca ser capazes de “tocar violão, desenvolver uma apreciação por ficção científica, aprender uma linguagem estrangeira, conversar sobre o último filme do Woody Allen, ou ser um atleta respeitável, jogador de basquete ou tenista”. Novamente, esse não é um pensador com o qual nosso movimento possa contar se quiser ganhar impulso ou vencer. Não podemos permitir que o movimento seja cooptado por racistas e capacitistas.

Em vez disso, nós podemos olhar para escritoras como Angela Davis ou A. Breezer Harper que fornecem abordagens interseccionais sucintas pela luta emancipatória humana e não-humana.

Sobre a descolonização de nossos corpos, Angela Davis tem o seguinte a dizer:


“A comida que comemos possui uma crueldade massiva (...) as galinhas são criadas industrialmente (...) o capitalismo colonizou nossas mentes (...) não somos capazes de olhar além da mercadoria morta (dead commodity). (...) Recusamos a enxergar as relações que estão presentes nas mercadorias que utilizamos diariamente.”


A exploração do animal não-humano está intimamente ligada com a exploração dos trabalhadores. As condições em que os trabalhadores são forçados a operar em fazendas industriais são inadequadas e insustentáveis. Os graves riscos e perigos para a saúde não se limitam apenas aos encontros com animais atormentados e brutalizados. Devemos considerar os acidentes industriais - equipamentos que desmembram, pesticidas, a matéria fecal e os resíduos a que os trabalhadores estão expostos, a lista continua e se torna extremamente mais terrível. Devemos também mencionar que esses empregos são, em geral, realizados por pessoas negras e latinas. Além disso, esses cidadãos são frequentemente migrantes e sofrem por sua condição de civil.

Sindicatos de trabalhadores da agricultura foram sistematicamente eliminados e esses trabalhadores sofrem desproporcionalmente com doenças que estão ligadas à exposição de produtos químicos e stress pós traumático resultante do trabalho nessas condições degradantes e violentas. De acordo com a Organização Internacional do Trabalho (OIT), trabalhadores agrícolas têm o dobro de chances de morrer no trabalho comparado a outros setores, e milhões desenvolvem graves problemas de saúde devido ao envenenamento por pesticidas e agroquímicos. Esses trabalhadores são frequentemente mal pagos e forçados alimentar suas famílias com alimentos de baixa qualidade, geneticamente modificados e cheios de hormônios. Os pobres sempre comeram os piores alimentos, a classe trabalhadora atual não é uma exceção. A comida passa por um processo de branqueamento, ou é cortada com produtos de enchimento, a carne de baixo custo recebe hormônio de crescimento para acelerar seu desenvolvimento, de forma que gado/suíno/ave/peixe, jovens e magros, possam ser produzidos, abatidos e vendidos mais rapidamente. Então, se o trabalho em si não te matar, a comida que resulta dele com certeza irá.

A indústria agrícola não tem compromisso com seus trabalhadores ou com a eco-sustentabilidade, os proprietários agrícolas estão preocupados apenas com o aumento de seu lucro e a expansão de seu negócio. Essa busca incessante pelo acúmulo de capital resulta nas condições desumanas e miseráveis que os animais e trabalhadores enfrentam. Os trabalhadores não recebem um treinamento para que utilizem métodos menos agressivos (humane methods) no abatimento, eles apenas são treinados para produzir carne e carcaça em uma velocidade acelerada. A maioria dos subprodutos da indústria animal é despejada, resultando em uma das maiores margens de poluição no mundo. Um relatório do WorldWatch Institute (WWI) descobriu que a pecuária e seus subprodutos respondem por mais da metade das emissões anuais de gases que colaboram para o aumento do efeito estufa, o que contribui em muito para a mudança climática planetária. De outra maneira, esses produtos ainda podem ser encontrados em questionáveis “produtos de carne mista” (mixed meat products) em pequenas lojas. Não faz muito tempo que as pessoas se revoltaram com a rede de supermercados alemã Aldi [1] misturando carne de cavalo com seus produtos bovinos. Essa é uma prática comum para cortar custos e economizar.

É inegável que esses empregos, que se concentram especificamente na tortura e no massacre de outros seres vivos sencientes, afetam o lado subjetivo do trabalhador. Esse estresse e trabalho brutal cobram um forte tributo psicológico e físico. Nenhum animal, humano ou não-humano, deveria viver, trabalhar e morrer nessas condições.

Existem inúmeras similaridades entre a exploração de animais humanos e não-humanos e o capitalismo está na origem desse sofrimento. Devemos abordar essas semelhanças sem que nossas táticas ou abordagens caiam no racismo ou capacitismo. Se um mundo livre de exploração e opressão é o que buscamos, nossa luta deve buscar se conectar com a população oprimida da sociedade, por meio de articulações apropriadas e solidariedade significativa.

 

Notas:

[1] Em 2013, a rede global de supermercados alemã foi obrigada a recolher grandes quantidades de seus produtos de carne bovina após vir à tona que alguns deles eram compostos "até 100 por cento" de carne de cavalo.

 

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