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uma abordagem não dogmática do marxismo

Atualizado: 3 de fev. de 2022


Colagem por Talita Santana

 
 

Os documentos aqui reunidos não tem a pretenção de contribuir para o debate em favor ou contra o Marxismo que tem sido conduzido nesta revista pelo período de muitos meses. A discussão de pontos controversos em qualquer teoria social (inclusive em teorias estas que comumente são descritas como “religiões”) é inútil, a menos que tal discussão posicione-se por uma luta social existente. Diversas possibilidades de ação devem existir para o partido, grupo ou classe a que se refere a teoria social em questão. A diferença entre essas possibilidades pode se referir a objetivos sociais, táticas, formas de organização ou à definição do inimigo, de aliados, de “neutros" ou ao projeto geral do grupo (se houver), baseado em suas formas de apreensão e julgamento de determinada situação ou aspecto social. No entanto, o resultado de qualquer debate de cunho materialista deve, invariavelmente, “transformar" o comportamento real, não de um indivíduo ou de um pequeno grupo de pessoas, mas de uma verdadeira coletividade, de uma massa social. Neste sentido do pensamento materialista, é dubitável até mesmo que a própria teoria chamada Marxismo já tenha sido discutida nesse país. Várias pessoas de tempos em tempos foram questionadas sobre sua posição Marxista ou não-Marxista, assim como poderiam ter sido questionadas sobre o porquê de acreditarem ou não em Deus, na ciência ou na moralidade, na raça, na classe, na democracia, na vitória, na paz ou na destruição iminente de toda a civilização através da bomba atômica. Foi também despendido algum esforço filológico e interpretativo para resolver a questão do "que Marx realmente quis dizer”. Por último, mas não menos importante, houve muita da discussão mais insensata de todas, que visava decidir qual espectro particular das teorias de Marx, Engels e as várias gerações de seus discípulos até Lênin, Stalin, ou, digamos, Leontov, representa a versão mais ortodoxa da doutrina marxista. Ou, ainda mais grave, qual dos vários métodos usados em diferentes momentos por Hegel, Marx e os Marxistas, realmente merece ser chamado de método genuinamente “dialético". Contra essa abordagem totalmente dogmática esterilizou a revolucionária teoria marxista em todas as fases de seu desenvolvimento secular na Europa, e pela qual a tentativa de expansão do marxismo nos Estados Unidos foi prejudicada desde o início, propõe-se aqui a reivindicação do elemento crítico, pragmático e militante, que mesmo através de todos os reveses, nunca foi eliminado da teoria social de Marx e que durante as poucas e curtas fases de sua predominância fez dessa teoria a arma mais eficiente da luta do proletariado. Os documentos abaixo resultam em parte de uma tentativa anterior de enfatizar o elemento crítico e pragmático da teoria marxista - a curadoria destes textos foi feita por este que vos fala e um grupo de associados na Alemanha no início dos anos 30 e que foi temporariamente interrompida pela violência anti-marxista de Hitler. Dos quatro documentos, dois remontam ainda a tentativas similares de avivamento dos elementos que citamos, feitas em 1894 e 1902 por Marxistas não dogmáticos como Lênin e Georges Sorel. Eles foram usados como modelos e como pontos de partida pelo grupo de 1931, ao iniciarem sua nova tentativa de "desdogmatizar" e reativar a teoria Marxista. A parte redigida por Lênin em 1894 (Documento III) foi dirigida contra um livro no qual as teorias econômicas e sociológicas do famoso teórico, Narodniki Mikhailovski, haviam sido atacadas criticamente pelo então "Marxista" (mais tarde, burguês), o escritor Peter Struve. Desta importante obra de Lênin, infelizmente apenas uma pequena parte foi traduzida para o inglês (Selected Works of Lenin, vol. I) e essa parte não inclui o capítulo do qual tiramos o documento que trazemos abaixo. Nosso interesse particular em trazer este documento reside no fato de que justamente naquela ocasião Lênin, ele próprio um crítico materialista do "subjetivismo" idealista dos Narodniki, precisou entender sua crítica materialista com igual fervor, ao "objetivismo" abstrato e sem vida de Struve. A fim de tornar o argumento de Lênin totalmente compreensível, citamos também a frase de Struve que despertou a ira de Lênin. Lênin é ágil em descobrir as implicações anti-revolucionárias deste comentário struviano sobre Mikhailovski. “Isso é a linguagem de um objetivista e não de um Marxista (materialista)”, diz Lênin. E deste ponto de partida, Lênin desenvolve sua demonstração sobre as importantes diferenças que separam os princípios “Objetivistas” dos “Marxistas" (Materialistas). O Documento IV tenta trazer mais claramente à tona o caráter não dogmático da antítese de Lênin à versão objetivista de Struve da doutrina tradicional marxista. Para este propósito e para uma série de outras experiências de distensão e "desdogmatização" de certas partes da teoria marxista, o grupo de 1931 fez uso da experiência similar feita por Sorel em 1902. De acordo com Sorel, as seis teses descritas no Documento II abaixo resultam de um processo de “extrair da teoria do materialismo histórico os elementos estritamente científicos da história". Nesta reformulação crítica do materialismo histórico por um dos mais científicos e pragmáticos intérpretes do marxismo nos tempos modernos, o ponto menos importante é, na opinião do autor, a ênfase especial de Sorel no papel dos conceitos jurídicos e da profissão jurídica. O que realmente importa é a tentativa de esclarecer as várias concatenações que existem entre os termos gerais da teoria materialista e das quais a lei e seus exploradores profissionais parecem ser apenas uma de várias ilustrações possíveis. Entretanto, o mais importante é a forma pela qual Sorel se transformou em uma inspiração positiva para a pesquisa científica sem restrições, o que até então deve ter soado a muitos historiadores uma definição um tanto autoritária das regras de elaboração da história. (Uma impressão diferente poderia ter sido derivada, talvez, de um conhecimento mais próximo da aplicação notavelmente autônoma do novo "método crítico e materialista”, feita pelo próprio Marx. No entanto, a nova arma da luta revolucionária já havia perdido muito de sua potência crítica nas mãos da primeira geração de estudiosos Marxistas na época em que Sorel escreveu. E não é segredo que desde então o marxismo revolucionário foi derrotado pelas influências "estabilizadoras" que foram teorizadas no desenvolvimento da antiga e da nova ortodoxia de Marx - de Kautsky a Stalin. Portanto, a operação Soreliana precisa ser realizada novamente.) Por fim, acrescentamos um documento que propõe-se a fazer pelo famoso "método dialético" o que Sorel e Lênin fizeram pelo materialismo histórico. As "Teses sobre Hegel e a Revolução" traduzidas no Documento I foram escritas originalmente em alemão para o centenário da morte de Hegel, em 1931. Como veremos através dos textos, eles afastam-se de todo emaranhado de dificuldades que rodeiam o problema da dialética hegeliana e seu uso (modificado ou não modificado) por Marx e Engels. A dialética nesta esfera de pensamento não é considerada como uma espécie de super-lógica, ou seja, não como um conjunto de regras a serem aplicadas por pensadores individuais no processo de pensar - assim como a lógica comum, distinta desta última apenas no sentido em que a chamada matemática "superior" se distingue daquelas regras mais simples e, na verdade, há muito ultrapassadas que são ensinadas como "matemática elementar" nas escolas de hoje. Trata-se de uma série de fenômenos característicos que podem ser observados externamente na sequência e desenvolvimento da forma de pensar em um determinado período histórico. O primeiro resultado "não dogmático" desta abordagem é que um homem não se torna um revolucionário pelo estudo da dialética mas, pelo contrário, a mudança revolucionária na sociedade humana afeta, entre outras coisas, a forma como as pessoas de um determinado período tendem a produzir e a intercambiar seus pensamentos. A dialética materialista, portanto, é a investigação histórica da maneira pela qual, em um dado período revolucionário e durante as diferentes fases desse período, determinadas classes sociais, grupos, indivíduos formam e aceitam novas palavras e idéias. Tal dialética lida com formas muitas vezes incomuns e surpreendentes, nas quais conecta-se os próprios pensamentos aos de outras pessoas, cooperando na desintegração dos sistemas fechados de conhecimento e na sua substituição por outros sistemas mais flexíveis ou, no mais favorável dos casos, por sistema algum, mas sim por um novo e completamente autônomo movimento de pensamento livre transitando rapidamente pelas fases de mudança de um desenvolvimento mais ou menos contínuo ou descontínuo. O segundo aspecto parece indicar (a partir das teses II e III) que não há motivo para vangloriar-se do fato de que tanto Marx quanto Lênin, após uma primeira crítica violenta e repúdio à velha "dialética" hegeliana, voltaram em um estágio posterior, em um estado de desencanto e frustração parcial, a uma aceitação muito pouco qualificada desse mesmo método filosófico que, quando muito, havia refletido a revolução burguesa de um período anterior. Neste caso, como em muitos outros aspectos, o desenvolvimento irrestrito da teoria marxista não remete às velhas filosofias e ideias burguesas, mas sim a um uso não dogmático e não autoritário, científico e ativo do marxista, assim como todas as outras formulações teóricas da experiência coletiva da classe trabalhadora.

DOCUMENTO I Teses sobre Hegel e a Revolução (Karl Korsch, 1931) I. A filosofia Hegeliana e seu método dialético não pode ser compreendida sem considerar sua relação com a revolução. 1. Tem sua origem histórica de um movimento revolucionário. 2. Cumpriu com êxito a tarefa de dar ao movimento sua expressão conceitual. 3. O pensamento Dialético é revolucionário mesmo em sua forma:

  • Afastando-se do que é imediatamente dado - ruptura radical com o que existiu até então - contracorrente - vanguarda;

  • Princípio da contradição e da negação (não-contradição, superação);

  • Princípio do desenvolvimento e transformação permanente - do “salto qualitativo.”

4. Uma vez que a tarefa revolucionária está instaurada e a nova sociedade completamente estabelecida, o método dialético-revolucionário inevitavelmente desaparece de sua filosofia e ciência. II. A filosofia Hegeliana e seu método dialético não pode ser criticada sem considerar sua relação com as condições históricas particulares do movimento revolucionário da época. 1. Não é uma filosofia da revolução em geral, mas especificamente da revolução burguesa dos séculos XVII e XVIII. 2. Mesmo sendo uma filosofia da revolução burguesa, ela não reflete integralmente o processo dessa revolução, apenas sua fase conclusiva. Portanto, é uma filosofia não da revolução, mas da restauração. 3. Esta dupla natureza histórica da dialética hegeliana surge formalmente em uma dupla limitação de seu caráter revolucionário.

  • A dialética hegeliana, embora dissolvendo todas as fixações pré-existentes, resulta finalmente em uma nova fixação: ela mesma se torna absoluta e, ao mesmo tempo, "absolutiza" todo o conteúdo dogmático do sistema filosófico Hegeliano que o embasou.

  • O ponto revolucionário da abordagem dialética é, em última análise, voltado para o "ciclo", ou seja, para um restabelecimento conceitual da realidade imediatamente dada, para uma reconciliação com essa realidade, e para uma glorificação das condições existentes.

III. O projeto dos fundadores do socialismo científico de reestabelecer a alta arte do pensamento dialético, tomando-a da filosofia idealista alemã e apropriando-a para a concepção materialista da natureza e da história, da teoria burguesa para a teoria proletária da revolução, apresenta-se, tanto histórica como teoricamente, como um passo de apropriações e transições. Não foi criada uma teoria da revolução proletária que se desenvolve por si mesma, mas sim uma teoria da revolução proletária que acaba de emergir da revolução burguesa; uma teoria que, portanto, em todos os aspectos, no conteúdo e no método, ainda está manchada com as marcas de nascimento do jacobinismo, isto é, da teoria revolucionária da burguesia.

DOCUMENTO II Teses sobre a Concepção Materialista da História (Apresentado na Convenção de 1902 da Société Française de Philosophie, por Georges Sorel)

  1. Para investigar um período (da história) é de grande vantagem descobrir como estão divididas as classes da sociedade; elas distinguem-se pelos conceitos legais essenciais alinhados à forma como os rendimentos são formados em cada grupo.

  2. É aconselhável dispensar todas as explicações individualmente condensadas; não vale a pena indagar como são formados os vínculos entre as psicologias individuais. O que pode ser observado diretamente são os vínculos por si mesmos, referente às massas. Os pensamentos e atividades dos indivíduos são totalmente compreensíveis apenas por sua conexão com os movimentos das massas.

  3. Muito é revelado sobre a história se for esclarecida a concatenação entre o sistema de forças produtivas, a organização do trabalho e as relações sociais que dominam a produção.

  4. As doutrinas religiosas e filosóficas têm fontes tradicionais; no entanto, apesar de sua tendência a se organizarem em sistemas totalmente fechados a todas as influências externas, elas geralmente estão de alguma forma ligadas às condições sociais do período. Desta forma, elas aparecem como reflexos mentais das condições da vida e muitas vezes como tentativas de explicar a história através de uma doutrina de fé.

  5. A história de uma doutrina apenas poderá ser completamente esclarecida onde conecta-se com a história de um grupo social que toma para si a tarefa de desenvolver e aplicar tal doutrina (influência da profissão jurídica).

  6. Partindo do princípio de que as revoluções não têm o poder de tornar possível uma maior extensão das forças produtivas que são obstruídas em seu desenvolvimento por uma legislação ultrapassada, ainda é de grande importância examinar uma transformação social deste ponto de vista e investigar como as proposições jurídicas são transformadas sob a pressão de uma necessidade universal de emancipação econômica.

DOCUMENTO III Materialismo Vs. Objetivismo (Lênin, 1894) O Objetivista discursa sobre a necessidade do processo histórico atual; o Materialista (Marxista) determina exatamente a forma econômica atual da sociedade e as relações antagônicas que a combatem. O Objetivista, ao provar a necessidade de uma determinada série de fatos, corre sempre o risco de se colocar na posição de apologista desses fatos; o Materialista revela os antagonismos das classes e assim determina sua própria posição. O Objetivista fala de "tendências históricas insuperáveis"; o Materialista, da classe que "domina" a dada ordem econômica e, assim, ao mesmo tempo, traz à tona uma forma ou outra de resistência por parte das outras classes. Assim, o Materialista é, por um lado, mais consistente do que o Objetivista e alcança um objetivismo mais desenvolvido e integral. Ele não se satisfaz em apontar a necessidade do processo, mas expõe claramente a forma econômica da sociedade que está por trás do teor desse processo, e a classe específica que determina exatamente essa demanda. Em nosso caso, por exemplo, o Materialista não se contentaria em referir-se a "tendências históricas insuperáveis"; ele apontaria a existência de certas classes que determinam o conteúdo da ordem vigente e excluem qualquer possibilidade de solução, a não ser pela ação dos próprios dominantes desta ordem. Por outro lado, o princípio Materialista implica, por assim dizer, o elemento de partido, ao se comprometer, na análise de qualquer evento, a uma aceitação direta e aberta da posição de um determinado grupo social. DOCUMENTO IV Sobre Materialismo Ativista e o Caráter Partidário e de Classe da Ciência (Karl Korsch, 1931)

  1. Há pouca utilidade em confrontar a doutrina subjetivista do papel decisivo do indivíduo no processo histórico com outra doutrina igualmente abstrata que fala da necessidade de um determinado processo histórico. É mais útil explorar, com a maior precisão possível, as relações antagônicas que surgem das condições materiais de produção de uma determinada forma econômica de sociedade para os grupos sociais que nela participam.

  2. Muito é revelado sobre a história ao combater toda suposta necessidade de um processo histórico com as seguintes perguntas: A) É necessário em benefício de quais classes? B) Quais modificações nas ações das classes enfrentadas pela suposta necessidade histórica serão necessárias?

  3. Para a investigação das relações antagônicas existentes entre as diversas classes e frações de classes existentes em uma forma econômica da sociedade, é aconselhável considerar não apenas as formas materiais, mas também as formas ideológicas em que tais relações antagônicas ocorrem dentro da atual forma econômica da sociedade.

  4. O conteúdo de uma doutrina (sistema teórico, conjunto de orientações e regras operacionais utilizadas para a declaração e aplicação de uma teoria ou crença) não pode ser esclarecido enquanto não estiver aliado ao programa de uma determinada forma econômica de sociedade e aos interesses materiais de classes definidas dessa sociedade.

  5. Não há necessidade de assumir que a objetividade de uma doutrina será prejudicada por sua conexão metódica com os interesses materiais e atividades práticas das classes determinadas.

  6. Sempre que uma doutrina não estiver relacionada com os interesses materiais de classe dos seus próprios defensores, assume-se que os proponentes de tal doutrina visem com ela defender os interesses das classes dominantes da sociedade em questão. Nestes casos, a revelação teórica da função de classe de determinada doutrina é equivalente a uma adoção prática da razão de ser das classes oprimidas naquela sociedade. [Sempre que uma doutrina não estiver relacionada aos interesses materiais de classe dos seus próprios simpatizantes, pode-se assumir que os proponentes de tal doutrina visam, por meio dela, defender os interesses da classe dominante da sociedade em questão. Nestes casos, a revelação teórica da função de classe de determinada doutrina é equivalente uma adoção prática da razão de ser das classes oprimidas naquela sociedade.]

  7. Deste estado de coisas, e de seu reconhecimento teórico, deriva a natureza partidária, objetiva e subjetiva da ciência.



O artigo de Karl Korsch (1886-1961) foi originalmente publicado na Politics magazine (New York, Maio de 1946). Outros escritos de Korsch incluem Marxism and Philosophy (1923; New Left Books, 1970); L’Anti-Kautsky (1929; Champ Libre, 1973); Karl Marx (1938; Russell & Russell, 1963); Three Essays on Marxism (Pluto Press, 1971); e Douglas Kellner (ed.), Karl Korsch: Revolutionary Theory (University of Texas, 1977).

 

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