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walter benjamin nos oitenta anos de sua morte

Atualizado: 28 de ago. de 2021


Colagem por Talita Santana

Em setembro de 2020, cumpriram-se oitenta anos da morte do filósofo, crítico literário e ensaísta berlinense, Walter Benjamin.


Nascido em 1892 no seio de uma família judia “assimilada”, Benjamin fez de sua vida intelectual uma empreitada pela compreensão do mundo moderno. Dos brinquedos infantis ao rádio, do colecionismo ao objeto-livro, da literatura à política, da arte à história, o pensamento de Walter Benjamin se construiu de forma constelacional, para evocarmos um termo que ele mesmo tornou conceito. Isto significa, antes de tudo, que suas ideias, como o céu, podem ser vislumbradas somente em um momento específico, em um “agora da cognoscibilidade”, em que os astros podem ser lidos em conjugações misteriosas, veladas e não ausentes de uma beleza estupefaciente.


Já há alguns anos, a figura de Walter Benjamin vem se mostrando uma constante na crítica cultural e política emergente do espectro político da esquerda nacional. Remontando aos anos 80, a recepção da obra de Benjamin no Brasil foi, por um lado, condicionada por uma vertente marxista através de seus primeiros tradutores e comentadores. Com o passar do tempo, à medida em que se expandiam o acesso às obras – para o qual a Editora Brasiliense foi fundamental - e o interesse acadêmico à obra do autor, a figura de grossos óculos, cabelos arrepiados e bigode, quase um anti-Groucho Marx, se tornou comum em resenhas, comentários, sessões jornalísticas e, finalmente, lançamentos editoriais para um público que, ainda que timidamente, crescia no compasso das pequenas conquistas e melhorias sociais do país.


Hoje, Benjamin é sem dúvida um escritor em voga, da moda; e, como fenômeno que o próprio autor analisou, a moda é não só um dos motores da modernidade, mas passageira e fugaz, senão superficial. Quero com isto dizer que a atenção dada à obra de Benjamin tem sido superficial? Pelo contrário. Quero, contudo, dizer que Benjamin ainda se encontra na superfície de nossa crítica cultural e, para que ele possa se fixar, seguindo o próprio conceito de crítica do autor, ou então se tornar ela mesma a superfície sobre a qual deslizam as graves questões políticas de nosso tempo, é preciso que reconsideremos a relevância do filósofo berlinense para nossos dias. Isso se dá não só pela evidente demanda intelectual para o progresso da investigação filosófica, mas porque a filosofia se faz cada vez mais necessária, bem como em cheque em tempos de retorno evidente de políticas fascistas gestadas nos seios da própria democracia – conjeturando aquilo que Alain Badiou denominou fascismo democrático –, no rebote de alguns governos de coalizão à esquerda do sistema democrata e seus magros (ainda que importantes) sucessos populistas. Neste movimento, são autores como Benjamin que se tornaram a imagem do inimigo número um da direita global, personificando o marxismo cultural, e qualquer um que se dedica à sua obra deve, no mínimo, se preparar quanto possível e se armar intelectualmente com os recursos aos quais tanto se refere. Isto envolve, não obstante, a coragem da crítica, à qual tantas vezes Benjamin apontou e pela qual tantas vezes foi posto e escanteio por aqueles mesmos com os quais se identificou.


Resta a pergunta, portanto: morto, o que permanece de Walter Benjamin?


Pergunta que pode se depreender de um questionamento maior (A que serve a filosofia? A que serve um autor?), é importante pensarmos, à luz de seu aniversário de morte, como pode Benjamin nos ajudar a compreender o mundo em que vivemos. A resposta mais óbvia e, entretanto, extremamente válida, é a de que Benjamin nos convida a pensar. E pensar, como argumentou Hannah Arendt em uma esteira socrática da qual Benjamin compartilhava, é um exercício de encontro entre o eu e o si mesmo. Exercício íntimo, portanto, em que reconsideramos nossas ideias e impressões, balizamos nossas percepções perante um mundo interno do pensamento e um mundo externo da materialidade efetiva. Pensar, embora ao alcance de todos, assim, não é para qualquer um.

Benjamin parecia estar de acordo com essa ideia, por isso notou e se dedicou a refletir sobre o mundo material em sua dimensão sensorial – algo fundamental à redação de seu ensaio sobre a obra de arte – preocupado com os modos pelo qual damos a conhecer o mundo, a percepção (Sobre a Percepção e Percepção é Leitura, fragmentos da década de 1920), e a dialética da distração (Teoria da Distração, da mesma década), que, sob uma ótica nova, poderiam ressignificar nossa experiência do mundo. Para uma nova experiência seria vital que compreendêssemos os meios (mídia, Medium), pelos quais obras de arte influenciariam outras épocas e mesmo em que a estrutura dialética do cinema encontraria expressão. Do mesmo modo, vinculou tais reflexões com a vida em seu sentido maior, como vida na e da história, como vemos não só em suas famosas teses Sobre o Conceito de História, de 1940, mas nas valiosas considerações sobre os Tipos de História, ou no texto pouco citado sobre o arqueólogo suíço Johann Jakob Bachofen, em que Benjamin evoca, citando, inclusive, o geógrafo e Communard anarquista Elisée Reclus, a origem do poder paterno como contrarrevolução às organizações sociais matriarcais da Antiguidade.


Pensador plural, dialético, contraditório, por vezes, e antissistemático, Benjamin morto, vive hoje como figura central especialmente por seus ensaios sobre a obra de arte, a fotografia, a história e a vida cotidiana. Como um pensador da cultura, entendida de forma ampla, é natural que tais textos, canônicos, de fato, reverberem constantemente. Resta percebermos, entretanto, como um pensador que, nunca tendo se enquadrado, uma espécie de patinho feio do comunismo, pode deixar de nos servir de modo instrumental na confecção de análises, e passe a ser, fundamentalmente, um autor que nos ensine a criticar, isto é, para retomar sua compreensão do conceito, que nos ensine a analisar o teor coisal da realidade, até seu esgotamento, para que possamos revelar sua verdade (uma verdade histórica, temporal, dinâmica, de fato), explodindo o potencial da cultura para revelar seu centro significante ao momento histórico vivido. Eis o significado do agora da cognoscibilidade: explorar de modo altamente inflamável a cultura, tal qual ela se perfaz no momento em que vivemos, pois só nele é que podemos compreendê-la. Viver o tempo da cultura de forma diferente, pensar de forma destrutiva (pois a destruição também cria), ocupar a ruína, observar as correspondências entre os túmulos antigos e as fossas comuns criadas pela pandemia. É na articulação do passado no presente, posto que o presente está em perigo, que podemos revelar o potencial messiânico da vida social. Talvez, em nosso presente, Benjamin esteja em perigo. Não porque corre o risco de sumir ou desaparecer, mas porque nos recusamos a deixá-lo morrer. Talvez seja essa morte, que deu à vida vivida o peso de uma experiência do Século XX, que precisamos assumir para que entendamos Benjamin de forma nova e sua filosofia como potência a uma forma de vida. Afinal, mais do que isso não é possível: Walter Benjamin está morto.


e a sobinfluencia está em TRABALHO de luto. Sua alegoria virá com a primavera

 

Assista a "O legado antifascista de Walter Benjamin", realizada pela Autonomia Literária e reproduzido pela sobinfluencia no livro "Walter Benjamin Está Morto", primeiro lançamento da sobinfluencia por meio de financiamento coletivo.


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