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marx, valor e natureza - parte I de IV

Atualizado: 27 de jul. de 2022


Collage de Okanoue Toshiko

último crime: A intenção dessa coluna é trazer material crítico, preferencialmente inédito em nossa língua, para contribuir com as discussões que permeiam seres não humanos e humanos em sua luta pelo fim da exploração do trabalho, sua busca por autonomia e a superação do modo de produção em que [sobre]vivemos. Os textos que publicados neste espaço examinam as diferentes relações estabelecidas, na história e no momento atual, entre animais humanos e os animais não-humanos, dentro da perspectiva dialética, materialista histórica e anticapitalista.

 

O texto original "Marx, Value, and Nature", foi publicado na revista socialista Monthly Magazine em julho de 2018, por John Bellamy Foster, americano, professor de sociologia da Universidade de Oregon, autor de "Marx's Ecology" (2000), "Ecology Against Capitalism" (2002), entre outros em que aparece como coautor. Foster é, também, editor da Monthly Review nos Estados Unidos.


Tradução de Alex Peguinelli

 

Marx, Valor e Natureza

John Bellamy Foster


[parte I de IV]


O filme de Raoul Peck, de 2017, "O Jovem Karl Marx" ["Le jeune Karl Marx"], se inicia com uma cena aparentemente tranquila de pessoas pobres, "proletários camponeses" ["peasant proletarians"], homens, mulheres e crianças, sujos e em farrapos, recolhendo madeira morta do chão de uma floresta. De repente, essas pessoas são atacadas por uma tropa de policiais montados, armados com cassetetes e espadas. Alguns catadores são mortos; o restante é capturado. A cena é cortada então para outra com Karl Marx, de vinte e quatro anos, em Colônia, nos escritórios do Rheinische Zeitung, onde foi editor, escrevendo um artigo acerca dos debates sobre a lei referente ao furto de madeira. Marx escreveu cinco vezes [em seu jornal] lançando mão deste título, de outubro a novembro de 1842, e isto, mais do que qualquer outra coisa, colocou os censores prussianos no encalço do jornal, de seu jovem editor e de seus escritores talentosos [1]. No filme, vemos o jovem Marx e seus associados debatendo o decurso que os levou a desafiar tanto o Estado prussiano, quanto seus próprios investidores industriais liberais. Marx era intransigente; não havia outro caminho possível. Como explicou mais tarde em seu famoso prefácio, escrito para a crítica de uma economia política, em 1859, sua tentativa de abordar a expropriação dos direitos consuetudinários dos pobres [a pegar madeira morta da floresta] o levou, em primeiro lugar, ao estudo sistemático da economia política [2].


A criminalização do usufruto da floresta era uma questão importante para o Estado prussiano daquela época. Em 1836, pelo menos 150.000 dos 207.478 processos judiciais totais na Prússia foram por "furto de madeira" e delitos relacionados. Na Renânia, a proporção era ainda maior. Essas acusações levaram a pesadas multas e a prisão. Em Baden, em 1842, um em cada quatro habitantes havia sido condenado por furto de madeira. Central ao argumento de Marx era a aplicação da "categoria de furto/roubo onde não deveria ser aplicada": não apenas a coleta de madeira morta mas, também, a coleta de folhas mortas e a colheita de bagas (um direito costumeiro concedido às crianças) foram declarados ilegais, embora estas fossem formas há muito estabelecidas de apropriação tradicional em benefício das pessoas pobres. O "direito costumeiro" [consuetudinário] dessas pessoas à livre apropriação da madeira, insistiu Marx, não se aplicava à árvore viva, "orgânica" ou à "madeira cortada" - que poderia ser vista como propriedade dos proprietários privados - mas ao que já estava morto. O usufruto da floresta estava sendo transformado "em monopólio dos ricos", por meio de um processo de desapropriação realizado por "comerciantes mesquinhos (...) e juros de terras teutônicas". Marx, em resposta, se referiu à "natureza elementar" do sistema florestal e, como indica o historiador Peter Linebaugh, enraizou seu argumento em um apelo à "bioecologia da floresta" e à "sociedade complexa" que a tem por base, incluindo a forma como o direito de pessoas pobres à madeira morta espelhava sua posição de empobrecimento geral, além de sua relação com a natureza [3].


As questões relativas à expropriação da terra/natureza e dos seres humanos nunca deixaram de ocupar Marx em seus trabalhos posteriores, aparecendo em seus "Manuscritos Econômicos e Filosóficos" e em suas duas grandes discussões sobre a chamada acumulação primitiva, nos Grundrisse e n´O Capital. No filme de Peck, o assalto da polícia florestal aos pobres é um pesadelo recorrente, no qual Marx se vê correndo ao lado de trabalhadores rurais sem terra enquanto estão sendo perseguidos pelas autoridades.


[fim da parte I]


[parte II, "A apropriação e a expropriação da Natureza", em breve]

 

Notas:

[1] Karl Marx e Frederick Engels, Collected Works, vol. 1 (Nova York: International Publishers, 1975), 224-63. Sobre o termo "proletariado camponês", ver V. I. Lenin, Collected Works, vol. 20 (Moscou: Progress Publishers, 1972), 132-35.

[2] Karl Marx, Contribution to a Critique of Political Economy (Moscou: Progress Publishers, 1970), 19-20.

[3] Marx e Engels, Collected Works, vol. 1, 225, 233-35; Peter Linebaugh, Stop Thief! (Oakland: PM, 2014), 43-60; T. C. Banfield, Industry of the Rhine, Series I (Londres: Knight, 1846), 111; John Bellamy Foster, Marx's Ecology (Nova York: Monthly Review Press, 2000), 66-68; David McLellan, Karl Marx (Nova York: Harper and Row, 1973), 56.

 

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De uma palavra-aracna, cheia de pernas longuíssimas que se estendem ao mais fundo de nosso elo com a vida em sua potência oceânica, Louise Michel confunde-se com os corpos que se expõem à sua densidade grave. Diante de nós, o queimar do futuro, respirando o pó dos ossos que seguram a pele fina de quem sobrevive - porém é a memória encarnada de um rapto indomável que nos resgata à luta, nos põe em elo com o movimento da vida, nos arrisca e nos regenera. Lembramos hoje Louise Michel, este oceano furioso, quebrando suas ondas na casca dura, impetuosamente limpando as carcaças, criando caminhos. Gabriela de Laurentiis e Samantha Lodi conversam conosco, neste episódio especial da Rádio Aurora em ocasião de nosso novo lançamento, Tomada de Posse, em colaboração com a Autonomia Literária, sobre os afetos que ressoam desta mulher-imagem, chapiscada de combate, imensa de potência.

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